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Sob a pele do jumento

O Frinordeste não concedeu entrevista. Já o dono do abatedouro Cabra Forte (em Simões Filho), Reginaldo Filho, afirmou que a falta de segurança jurídica do setor o levou a desistir da atividade. “É página virada na nossa trajetória”, garantiu.

Rui Leal, da Adab, defende que os frigoríficos só voltem a abater asininos se conseguirem habilitação para exportar diretamente à China. Além do lucro maior, seria possível rastrear quem compra o produto. “Em Amargosa, eles vão comprar e exportar, então a aquisição e o transporte terão mais controle”, explicou. 

No dia 3 de dezembro, uma audiência pública sobre o abate de jumentos foi realizada na Câmara dos Deputados, em Brasília. Na ocasião, João Adrien, assessor de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), se mostrou contra a proibição do abate, por se tratar de uma alternativa econômica, e defendeu a estruturação da cadeia produtiva.  “Estamos discutindo como fazer as regulamentações, exigir todo o guia de tráfico animal, para que eles possam ser bem tratados”, afirmou na audiência.

Risco à saúde humana 

Enquanto isso, o Fórum Nacional de Defesa dos Jumentos, composta de universidades e entidades de proteção aos animais, vem se mobilizando para combater os maus-tratos aos jumentos. O grupo atuou nos episódios de Itapetinga, onde a única solução foi abater os sobreviventes, e em Euclides da Cunha, assumindo a tutela dos animais. 

Manifestação do Fórum Nacional de Defesa dos Jumentos, no Farol da Barra, em Salvador, une entidades para combater os maus-tratos aos jumentos. (Foto: Alexandre Guzanshe)

O Fórum hoje cuida de 200 animais sobreviventes, com apoio da ONG britânica The Donkey Sanctuary e de doações individuais de brasileiros. Quase um ano após o episódio, alguns jegues ainda estão vulneráveis. “Têm os que continuam debilitados, que não conseguem se levantar sozinhos”, explicou a veterinária Aline Rocha, que os acompanha diariamente.

Rocha espera que, nos próximos meses, estejam aptos a serem doados a reservas ecológicas. “A gente sente que está fazendo diferença, que eles estão ficando sadios”, comemorou.

Observações em Euclides da Cunha subsidiam pesquisas sobre enfermidades com jumentos, uma área pouco estudada. Cerca de 5% dos animais morreram por doenças como mormo e anemia infecciosa, segundo as análises. “A situação de estresse intensifica as doenças, que vão sendo transmitidas entre eles como num campo de concentração”, comparou o veterinário Pierre Barnabé Escodro, professor Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

O mormo é a maior preocupação nesse negócio informal. Trata-se de uma zoonose de alta letalidade que pode ser transmitida ao ser humano.

Jumento produtivo

Na produção de sisal, no município baiano de Valente, o jegue prova que ainda tem utilidade ao Nordeste. Em sua cangalha, ele carrega folhas da planta típica do semiárido até a máquina de processamento, e dali até o varal onde os fios secam. Só ele para conseguir desviar de folhas que espetam por entre caminhos estreitos.

José de Jesus pegou o jumento solto na rua e usa para trabalhar, não aceita vender. (Foto: Alexandre Guzanshe)

José de Jesus, de 59 anos, trabalha com seu jumento Zé Mané de segunda a quinta-feira – nos outros dias o animal folga. “É manso e bom de serviço”, elogia o agricultor, que convive com o colega de trabalho há duas décadas. 

A manufatura do sisal, que emprega três mil famílias e cerca de três mil jegues, gerou R$ 40 milhões no ano passado. Segundo Misael Lopes, da associação local, Valente deve ao jegue o título de Capital do Sisal: “Isso é inegável”. 

Outros usos sustentáveis para empregar o jumento seriam terapia com equino, turismo rural e até produção de leite. Professor de medicina veterinária da USP, Adroaldo José Zanella  tenta implementar estratégias de bem-estar e segurança dos jegues nordestinos. 

“Estamos tentando construir um Nordeste do século XXI que possa conviver com os jumentos, pois um animal que está aqui há 500 anos não pode acabar em cinco”, concluiu.


Esta reportagem independente foi produzida pela Wide Avenues em parceria com a Repórter Brasil e financiada por uma bolsa da The Donkey Sanctuary, uma ONG britânica dedicada a promover o bem-estar dos jumentos.

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