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Sob a pele do jumento

Jegues ficam confinados 

Foi o município de Itapetinga, no Sudoeste baiano, que protagonizou as cenas mais duras de maus-tratos em 2018. Numa fazenda ao lado do Frigorífico Regional Sudoeste, mais de 800 jumentos viviam caídos no solo, com fome e sede. Outros 200 foram encontrados mortos. 

Urubus chamaram a atenção de moradores que denunciaram a fazenda. Em um vídeo feito por eles, um jumento filhote tenta sair do corpo da mãe, fraca demais para parir. Ambos morrem. Outro jumento, bastante fraco, agoniza por não conseguir se livrar de corpos que o sufocam. 

Em novembro de 2018, após as denúncias, a Justiça da Bahia proibiu o abate. Mas a pressão empresarial derrubou a liminar em setembro deste ano. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1º Região entendeu que a suspensão impôs “grave lesão à ordem e a economia da região” e provocou “perda de investimentos nacionais e internacionais”, sem exemplificar o prejuízo.  

A fazenda em Itapetinga era arrendada pela empresa chinesa de intermediação Cuifeng Lin, homônimo de sua proprietária. Ela e o marido, Zenan Wen, foram indiciados. A reportagem não conseguiu encontrá-los. 

“Era uma coisa terrível, nunca vista aqui”, lembrou o delegado de Itapetinga, Irineu Andrade, que os responsabilizou por crimes de maus-tratos e poluição do rio, causada pela decomposição dos animais. “Não tinha alimento suficiente, os animais iam no rio beber água e ficavam boiando, porque não conseguiam voltar [de tão fracos]”.

Dias depois do escândalo, uma segunda fazenda foi interditada no município. O dono João Batista, que recebia R$ 150 por caminhão carregado para pernoite dos animais, foi multado. “Faz pena demais, você sofre junto com eles”, afirmou Batista, que se arrependeu do acordo. “Os jegues já saíam de Pernambuco passando necessidade e ficavam dois, três dias com fome, chegavam aqui e ruíam todos os paus [das plantas]”.

Numa fazenda ao lado do Frigorífico Regional Sudoeste, em Itapetinga (BA), mais de 800 jumentos viviam caídos no solo, com fome e sede. Outros 200 foram encontrados mortos. (Foto: Alexandre Guzanshe)

Cinco meses depois, em Euclides da Cunha, a 700 km de Itapetinga, novas denúncias de maus-tratos surgiram envolvendo a Cuifeng Lin. Na fazenda Santa Isabel, outros 800 animais viviam em condições precárias semelhantes. Pelo menos outros 400 estavam mortos.

“Nunca chegou um caminhão aqui com GTA”, observou Márcia Costa Miranda, responsável pela propriedade. “Eu achava errado, porque tinha jumento morrendo demais, mas eu não sou do órgão fiscalizador, ia fazer o quê?”

A agricultora lembra que o grupo dava pouca ração aos animais propositadamente.  “Eles diziam que os desnutridos eram bons porque a pele descolava melhor”, conta Miranda.  

Em novembro de 2018, após denúncias de maus-tratos, a Justiça da Bahia proibiu o abate. Mas a pressão empresarial derrubou a liminar em setembro deste ano. (Foto: Alexandre Guzanshe)

Três chineses e um brasileiro da Cuifeng Lin coordenavam a chegada de caminhões carregados no período que o abate estava suspenso judicialmente, e os jumentos se acumulavam confinados numa área apertada e sem pasto.

Justificativa econômica

Por conta da decisão judicial, Amargosa, município de 40 mil habitantes, perdeu 150 empregos diretos e 200 indiretos com o fechamento do Frinordeste. Por isso, empresários locais e a prefeitura apelaram contra a ação, e boa parte da população aplaudiu.

“A gente sente que as pessoas comemoraram a volta do abate”, afirmou o diretor da rádio amargosense Vale FM, Eduardo Gordiano. “Aqui não chegou denúncia de jumento maltratado, e o povo não se sensibilizou com o que aconteceu em outras cidades”.

Dois brasileiros e dois chineses compõem a sociedade da Frinordeste declarada à Receita Federal. Mas segundo o empresário Walter Andrade Filho, o Walter do Couro, chineses hoje detém a empresa. Ele é um dos quatro fornecedores de jegue habilitados ao abatedouro, mas a atividade não compensava com a exportação via atravessadoras asiáticas.

Com a permissão da Frinordeste para vender a produção diretamente à China, a expectativa é de reaquecimento do mercado. “Já está tudo certo para [o abatedouro] voltar a funcionar”, disse Andrade Filho. “O povo está doido pra abater os jegues”. 

Ele acredita que isso estimulará a produção regular: “Hoje, o jegue é pego na natureza, de graça ou a preço baixo, mas se a China continuar comprando, a gente vai produzir”.

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