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Agrotóxicos: ‘Os brasileiros mataram meu pai?’

A mãe, Isabel, teve que responder à mesma pergunta: “Ninguém sabe”, disse.

“O que acontece em Yerutí é um exemplo do que acontece quando o Estado não faz absolutamente nada”, diz Hugo Valiente, um dos advogados que levaram o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. 

A decisão obriga o Estado paraguaio a realmente investigar a morte de Rubén, indenizar as vítimas e estabelecer medidas de não repetição.

O que podem ser essas medidas de não repetição é o que Valiente, Abel Areco, da organização Base-IS, e a advogada Milena Pereira discutiam com Norma, Isabel e o resto dos signatários do processo enquanto tomavam tereré, uma espécie de chimarrrão gelado, na sua casa no final de outubro deste ano. 

“O que o Estado faz mais facilmente é pagar”, explica Valiente. Em todas as condenações que sofreu na Corte Interamericana, o governo paraguaio geralmente cumpre e paga a indenização. A condenação a respeito de Yerutí impõe um prazo, dezembro deste ano, para que o governo negocie os termos com as famílias.

“Ninguém diz nada na minha cara, mas as pessoas falam por aí que receberemos dinheiro e que, para nós, só importam os benefícios. E não é assim”, reclama Norma Portillo. “Sou muito problemática, é o que dizem os brasileiros, é por isso que tenho certeza de que eles não oferecem para arrendar a minha terra.” 

Norma reclama que os brasileiros não querem nem vender milho para suas galinhas. “Eu tenho que esperar meu marido vir e comprar em Curuguaty, que é longe.” Mario Recalde, seu parceiro, não consegue emprego na vizinhança porque não fala português. Então, ele trabalha em uma fazenda da família a 70 quilômetros dali. E vê Norma, sua filha e o seu neto quatro dias por mês.

Diego Portillo tinha 3 anos quando o seu pai, Rubén, morreu e também foi internado com um quadro de febre e vômitos em 2011 (Foto: Ernesto González/El Surtidor)

Guerra química?

A realidade dos camponeses paraguaios repete a dos brasileiros. 

Se não forem os assassinatos ou a criminalização judicial, os efeitos da fumigação indiscriminada de agrotóxicos acabam por expulsar as famílias. Às vezes nem é preciso documentação. Um sojeiro simplesmente pode alugar uns lotes e, com isso, lava as mãos se algo der errado nessas terras. O procurador brasileiro Marco Antônio Delfino de Almeida descreveu a situação no Mato Grosso do Sul como uma verdadeira guerra química: os agroquímicos são usados ​​“como agente laranja” contra comunidades camponesas ou indígenas para dar espaço à soja.

No Paraguai, o primeiro estudo financiado pelo governo sobre a saúde de crianças expostas à fumigação de agroquímicos encontrou danos no DNA de uma comunidade no estado de Canindeyú. Nessa comunidade, as leis ambientais também foram violadas. 

A publicação foi respondida com uma campanha de assédio e desinformação contra o cientista responsável pela pesquisa. 

A Associação Rural do Paraguai e a União dos Grêmios de Produção, representantes do agronegócio no país, pressionaram o governo para que qualquer proposta de pesquisa financiada com dinheiro público tenha que ser aprovada por eles antes de ser financiada. E eles conseguiram.

“Toda vez que eles fumigam, eu me tranco com minha mãe e tomo meu remédio antialérgico”, diz Norma, rindo de sua escolha de medicamentos. 

As erupções na pele e a “gripe” são as descrições comuns dos sintomas que várias famílias experimentam a cada estação de fumigação, explica a viúva Isabel Bordón, em guarani. “O meu irmão Ceferino teve essas erupções no ano passado, assim como o Rubén”, ela conclui, em espanhol. 

Talvez no passado Isabel Bordón tenha olhado para o mundo com raiva ou tristeza, mas agora são poucas as vezes que seu rosto moreno reflete alguma rebeldia. Sua expressão nem se altera quando ela repreende seus dois filhos, Diego, órfão de Rubén, e Graciela, filha de um relacionamento posterior, que correm ao redor da roda de tereré.

Talvez porque ela já saiba que o governo paraguaio quase nunca cumpre a segunda parte da pena – a prevenção de novas violações de direitos humanos. 

No caso de Yerutí, medidas de não repetição poderiam ser apenas um protocolo nos centros de saúde para casos de intoxicação química. 

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