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Agrotóxicos: ‘Os brasileiros mataram meu pai?’

O procurador Miguel Ángel Rojas não voltou a perguntar sobre o caso. Ele foi promovido a juiz e depois demitido em 2016 por ter deixado de investigar um caso de tráfico de maconha, o que levou à extinção do processo e à liberação dos acusados.

Assim, quando ia até a Justiça em Curuguaty, Norma ouvia que ela tinha que “se acertar com os sojeiros”. Os mesmos sojeiros que seguiram com as suas vidas, como se nada tivesse acontecido, como se Rubén não tivesse morrido. 

Exceto por uma coisa: os aviões foram trocados por tratores para a fumigação das plantações de soja, segundo Norma.

Em 2012, Norma Portillo resolveu conferir o que havia acontecido com a investigação criminal. O novo promotor, Jalil Rachid – o mesmo promotor que decidiu não investigar a morte de 11 camponeses no massacre de Curuguaty, que levou à destituição do ex-presidente Fernando Lugo –, pediu que se inocentassem todos os acusados, argumentando ausência das provas que o próprio Estado não entregou. 

A luta por justiça chega à ONU 

“Fui ao lançamento de três livros sobre a morte do meu irmão. E todo mundo me dizia que a história ia ficar só nisso, nos livros”, diz Norma. “Mas eu não queria isso. Quero justiça.” 

Aos quase 40 anos, algumas rugas começam a se desenhar no rosto da camponesa. Ela sorri muito, mas o semblante muda quando fala de justiça. Para essa mulher capaz de viajar quilômetros para votar nulo em cada eleição, casada com o filho de um torturado pela ditadura, a justiça pode ser algo tão simples como dizerem, oficialmente, que ela tem razão.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU lhe deu razão no dia 14 de agosto de 2019, oito anos depois da morte de seu irmão Rubén.

Naquele dia, ela estava olhando o Facebook pelo celular quando leu que na Suíça, a 10 mil quilômetros de sua casa, o Comitê havia responsabilizado de maneira inédita o Estado paraguaio por violar o direito à vida em um caso relacionado a agrotóxicos. 

O parecer chegou quase seis anos depois do caso ter sido apresentado por advogados da Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai e da organização Base-IS, em nome de Norma, sua mãe, Hermenegilda Cáceres, da ex-cunhada Isabel Bordón, do seu pai, Ruperto Bordón, de seus irmãos Ceferino, Ignacio e José Bordón, de Diego Portillo – filho de Rubén, agora com 11 anos. E também de outras pessoas que tiveram a saúde afetada. 

Os experts da ONU não puderam dizer se Rubén Portillo morreu por intoxicação causada por agrotóxicos. Mas puderam determinar que o Estado paraguaio não cumpriu a responsabilidade de investigar se foi isso o que aconteceu, apesar de diversos indícios. 

“O Estado-parte não forneceu nenhuma evidência e não forneceu uma explicação alternativa para o que aconteceu. Além disso, o Sr. Portillo Cáceres morreu sem que o Estado-parte desse uma explicação, já que a autópsia nunca foi realizada”, afirmou o Comitê em seu parecer

O Comitê concluiu também que “o direito à vida não pode ser entendido corretamente se for interpretado restritivamente” e que “a proteção desse direito exige que os Estados adotem medidas positivas”. 

Ou seja, para um Estado violar o direito à vida, não é necessário que tenha contaminado as águas ou acionado os aviões que pulverizaram pesticidas sobre as famílias de Yerutí. Basta não ter feito nada contra essas violações, apesar das persistentes reclamações que vinham desde anos antes da morte de Portillo. 

Norma, Isabel e seu pai, Ruperto, suspeitam que atualmente a Cóndor/KLM S.A. e a Hermanos Galhera S.A. continuam produzindo soja e fumigando agrotóxicos nas áreas próximas a Yerutí.

Isabel Bordón, viúva de Rubén, abandonou a casa onde moravam com seu filho, Diego (Foto: Ernesto González/El Surtidor)

O que acontece quando o Estado não faz nada

– Os brasileiros mataram o meu papai?

– Ninguém sabe, filho. 

Após a morte do pai, Norma e Isabel escondiam de Diego até os pintinhos que apareciam mortos, para que o menino não chorasse. Ele tinha dois anos e meio. “Um dia ele veio me perguntar se o pai havia sido morto pelos brasileiros. Alguém lhe disse isso e ele repetiu na escola”, diz Norma. Seca as lágrimas. Ela negou: “Nós não sabemos, querido”. 

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