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Quando governo sabe TUDO sobre você

“Creio que podemos economizar cerca de US$ 150 milhões por ano”, prometeu. As autoridades toparam fazer um teste de cinco dias, que teve resultados positivos. Em um dos casos, uma pessoa ligou denunciando um roubo em sua casa e a polícia acionou McNutt, cujo avião estava filmando a cidade toda. Ele deu um zoom na casa e voltou a gravação para captar o bandido saindo de lá. Seguiu o carro usado na fuga e avisou a polícia – que cercou o veículo e pegou o bandido.

Depois do teste, as autoridades de Dayton organizaram um debate público para decidir se o projeto iria continuar. 75 pessoas compareceram. Uma minoria, 12, se manifestou contra, alegando que não era certo vigiar toda a população o tempo inteiro. Foi o suficiente para convencer o governo a pular fora. Então McNutt levou seu avião e suas câmeras para outro campo: a guerra contra os cartéis das drogas.

<span>–</span>Carlo Giovani/Reprodução

Esse município de 1,5 milhão de habitantes, na fronteira com os EUA, é um dos lugares mais perigosos do mundo. Em seu pior ano, 2010, registrou uma taxa de assassinatos inacreditável: 160 homicídios a cada 100 mil habitantes. (Para você ter uma ideia, a taxa nas prisões brasileiras é de 58 a cada 100 mil.)

A cidade é hiperviolenta por causa das duas facções do narcotráfico: o Cartel de Juárez e seu ex-aliado, o Cartel de Sinaloa, que executam pessoas a rodo – inclusive no meio da rua e à luz do dia. Mas ninguém ousa depor como testemunha. Em 2013, a polícia resolveu tentar uma medida radical de combate ao crime e contratou McNutt, que começou a voar em setembro. Um dos crimes que ele filmou ilustra bem como a PSS trabalha – e o grau de precisão com que consegue monitorar as coisas.

O dia é 24 de setembro. Um sujeito sai de um veículo e mata outro à queima-roupa, na zona sul de Juárez. A polícia aciona McNutt, que dá um zoom no lugar e determina o momento exato do disparo (13 horas, 44 minutos e 25 segundos). Ele identifica três veículos envolvidos no crime. Às 13:45:46, o assassino foge no carro 1. O veículo avança por cinco quarteirões, pega uma avenida larga, anda mais cinco quarteirões e entra em ruas pequenas até estacionar em frente a uma casa.

Uma pessoa sai do carro, às 13:47:58, e entra nela. Às 13:53:41, outra pessoa sai do carro 1 e entra nessa mesma casa. Às 13:56:05, uma pessoa sai da casa, entra no carro 1 e o estaciona dez quarteirões adiante. McNutt também acompanha a rota seguida pelos suspeitos dos carros 2 e 3, que entram em casas diferentes. Daí ele volta a gravação e vê que o assassino se encontrou quatro vezes com os ocupantes dos outros dois carros nos minutos prévios ao crime. Foram encontros carro-com-carro, com duração máxima de 3 minutos.

As pessoas são meros pontos na tela – os carros, tracinhos que se movem. A resolução não é suficiente para identificar o rosto de ninguém. Mas existe uma gambiarra para driblar isso. Após detectar os elementos suspeitos, a PSS conjuga as imagens do avião com as do Google Earth e das câmeras de segurança nas ruas. Seus analistas em terra veem com nitidez a casa onde o suposto assassino entrou às 13h47, na esquina das ruas Pascual Jaramillo e Heroes del Carrizal.

O importante é: ao reconstruir os encontros que o suspeito manteve antes e após o crime, a PSS desmascara não só um criminoso, mas o bando inteiro. Coincidência ou não, o número de homicídios em Juárez caiu 90% desde 2010, passando de 3.057 para 312 em 2015. Mas o Cessna já não voa por lá. “Não estamos mais trabalhando em Juárez”, diz McNutt, sem esclarecer o motivo. “Estivemos também em muitas outras cidades, mas não posso falar a respeito.” Ele se refere a Filadélfia, Compton, Indianápolis, Columbus, Cleveland e Nogales, nos EUA, além de Mexicali e Torreón, no México. Todas testaram o “olho no céu”, mas pararam por alguma razão.

O sistema custa US$ 2 milhões anuais, menos do que a polícia dos EUA gasta para operar um único helicóptero. O problema é mesmo a questão da privacidade. Todo mundo está acostumado a ser filmado por câmeras de segurança em prédios e lojas. Pensar que você está sendo vigiado do céu, em todo lugar e durante todo o tempo, é bem mais difícil de aceitar. O sistema da PSS é inerentemente polêmico. E em nenhum lugar gerou tanta controvérsia quanto na costa leste dos EUA – onde fica a 19a cidade mais violenta do mundo (logo atrás de Maceió, a 18a).

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