Tecnologia

Quando governo sabe TUDO sobre você

<span>–</span>Carlo Giovani/Reprodução

O Estado é onisciente.

Sabe aonde você vai, com quem fala, o que diz, o que faz, o que consome – e até o que pensa. Tudo com o melhor dos objetivos: proteger o seu bem-estar e cuidar de você, como um irmão mais velho amoroso e responsável. O Grande Irmão. Trata-se do principal personagem do romance 1984, de George Orwell, uma ficção que nos últimos anos, com a revelação de que os EUA monitoram todo o tráfego de dados na internet, assumiu contornos reais.

Agora um novo programa, que já foi testado em mais de dez cidades dos EUA e do México, quer levar a supervigilância a um novo patamar: o da vida offline. Terá consequências profundas sobre a vida nas metrópoles. Mas, como muitas das coisas que transformam nosso dia a dia, nasceu bem longe dele. Na guerra.

Os Estados Unidos derrubaram Saddam Hussein e assumiram o controle do país, mas os rebeldes iraquianos ganham terreno e intensificam os ataques. O mais cruel de todos acontece no dia 31. Um comboio que transportava quatro agentes americanos é cercado, todos são obrigados a descer dos veículos – e queimados vivos.

Para finalizar, os iraquianos penduram os corpos numa ponte sobre o rio Eufrates. O episódio abala os militares americanos, que logo depois, em abril, perdem 135 soldados em atentados. A maioria é vítima de bombas improvisadas, que são colocadas à beira de ruas e estradas – e fortes o bastante para destruir veículos blindados. Os EUA vivem seu pior momento na guerra, e refletem sobre o que fazer.

“Meu comandante reuniu um grupo para falar das dificuldades enfrentadas no Iraque. E perguntou como podíamos ajudar”, conta Ross McNutt, engenheiro aeroespacial e tenente-coronel da Força Aérea. Durante os 18 meses seguintes, ele comandou uma equipe de 40 pessoas em uma base militar de Ohio, trabalhando para cumprir uma missão: criar um sistema capaz de vigiar os combatentes iraquianos, refazer seus passos e descobrir onde eles se escondiam e guardavam os estoques de explosivos. O sistema foi batizado de Angel Fire e começou a operar em Fallujah em 2007.

Os militares acoplaram câmeras de 44 megapixels na parte de baixo de um avião, que sobrevoava a cidade em círculos durante 6 horas por dia. As câmeras tiravam uma foto por segundo de uma área de 65 km quadrados, praticamente toda a cidade. A grande sacada do sistema estava na base em terra, cujo software juntava as fotos num filminho – e permitia retroceder e avançar no tempo, como você faz com um DVD.

Quando um iraquiano detonava uma bomba, McNutt dava um zoom e voltava as imagens para identificar as pessoas e os veículos que estavam no local antes da explosão. Continuava voltando no tempo para refazer o trajeto do veículo do suicida, até descobrir o QG da insurgência.

O Angel Fire operou durante dois anos. Em parte graças a ele, o número de mortes de militares americanos no Iraque despencou: caiu de 904, em 2007, para 149 em 2009. A coisa deu tão certo que o Pentágono levou o sistema para o Afeganistão, sob a alcunha de Blue Devil.

Vendo que aquilo funcionava, Ross McNutt decidiu sair da Força Aérea e montou uma empresa para explorar a tecnologia que ele tinha inventado. Escolheu um nome sugestivo, Persistent Surveillance Systems (sistemas de monitoramento persistente). Comprou um monomotor Cirrus, colocou 12 câmeras – que juntas somavam 192 megapixels de resolução -, e foi atrás do primeiro cliente.

Com 142 mil habitantes, Dayton fica no Estado de Ohio, nordeste dos EUA. É muito violenta. Tem cinco vezes mais crimes que a média americana, e uma taxa de homicídios estratosférica: são 34 a cada 100 mil habitantes, bem maior que a brasileira (29,1 a cada 100 mil habitantes). A cada ano, uma em cada quatro famílias de Dayton é vítima de um crime grave. E a grande maioria não é elucidada.

Com essas cifras no laptop, McNutt procurou a polícia de Dayton, em 2012, e propôs virar o jogo. Disse que o policiamento tradicional havia falhado, e também usou um argumento econômico. Estima-se que a cidade gaste, perca ou deixe de produzir US$ 480 milhões anuais por causa da criminalidade. McNutt disse que seu sistema de vigilância aérea poderia reduzir o crime em 30%.

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