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Homenageada por Bolsonaro como ‘capital da maçã’, região em SC é palco de violações trabalhistas

Procurada pela reportagem, a Global G.A.P. afirmou que a “o certificado [da Pomagri] expirou há muito anos. A informação no site da Pomagri, portanto, é equivocada”. Já o British Retail Consortium não reconheceu nenhuma ligação com a empresa, e a Sedex não respondeu aos contatos da Repórter Brasil.

Peres negou todos os problemas encontrados pelos auditores. Em e-mail enviado à reportagem, ele afirma que “a empresa realmente sofreu uma fiscalização do Ministério do Trabalho, entretanto teve apenas quatro pontos que ‘no entendimento do auditor’ estavam em desacordo com a legislação”. Além disso, diz que “a empresa não concorda com esse posicionamento [dos auditores] e, para tanto, apresentou as competentes e legais defesas, instruídas com robusta documentação. Salienta-se que essas defesas nem sequer ainda foram analisadas”.

A Repórter Brasil pediu acesso à defesa apresentada pela Pomagri, mas seu diretor se recusou a enviá-las por não desejar que “elementos externos sejam levados em conta no curso dos julgamentos que ainda estão por vir”.

A respeito das certificações, Pierre afirmou que a da Global G.A.P era necessária para fins de exportação para Europa e somente para alguns clientes. “Como atualmente não estamos realizando esse tipo de comércio, estamos economizando os recursos das auditorias, entretanto, continuamos seguindo os seus protocolos”.

Grandes produtores: sem transparência sobre fornecedores

A produção de maçã na região de São Joaquim é espalhada por pequenas propriedades na região montanhosa, com aproximadamente quatro hectares. Somente em São Joaquim, existem 1.310 produtores, segundo os dados do último Censo Agropecuário. E esses pequenos agricultores estão integrados, direta ou indiretamente, às grandes companhias. 

A Schio e outras grandes empresas do setor não fornecem publicamente o nome ou a localização de seus fornecedores (Foto: Piero Locatelli)

Mas, hoje, é virtualmente impossível saber qual parte dessa produção vai parar nas grandes empresas da região. As maiores companhias do setor, como Schio, Fischer e Rasip, não fornecem publicamente o nome ou a localização de seus fornecedores.

Já o governo estadual tem cadastrado os trabalhadores dentro do programa “Safra Cidadã”, mas ele não abrange os problemas dos trabalhadores – e, sim, outras questões não relacionadas com os direitos deles. O cadastro subsidiou, por exemplo, uma grande operação da Polícia Militar neste ano, batizada de Altos da Serra, cujo objetivo era visitar “os pomares e trabalhadores no sentido de tentar buscar pessoas procuradas pela Justiça, abordagens e operações de trânsito em todos os municípios e reforço de prevenção nos pontos turísticos”, afirmou à época o comandante tenente-coronel Alfredo Nogueira dos Santos, responsável pela operação. 

A ligação entre os pequenos produtores e as grandes companhias está principalmente nos chamados packings houses, locais com grandes câmaras frigoríficas que permitem que a maçã seja vendida durante todo o ano. Junto às empresas que controlam os packing houses, os agricultores trabalham em um sistema de consignação em que, antecipadamente, a empresa fornece “adiantamentos” como agrotóxicos ou o pagamento do seguro da produção contra o granizo. Após a colheita, ela determina o preço da maçã e desconta os valores do que foram antecipado do produtor, com juros próximos a 2% ao mês.

A informalidade é bastante comum nessas propriedades integradas às grandes empresas da região. “A maioria aqui trabalha meio na surdina, com duas ou três pessoas [vindas de fora]”, admite Maurício Montibeller, presidente da Associação dos Produtores de Maçã e Pêra de Santa Catarina (AMAP), entidade com cerca de 2 mil associados. “As empresas, lógico, vão fazer tudo que é de praxe e direito. Mas o produtor normal não assina uma carteira por dois ou três meses.”

As empresas da região exercem um forte controle sobre os agrotóxicos utilizados nas fazendas. Segundo produtores de maçã visitados pela Repórter Brasil, seus técnicos fazem visitas ao menos uma vez por mês para acompanhar como está sendo esse processo. Mas verificar a situação dos trabalhadores não parece ser algo levado em conta durante essas visitas: nenhuma das fazendas em que a reportagem esteve havia recebido qualquer tipo de fiscalização ou questionamento das empresas sobre assinatura de carteira, jornada de trabalho ou equipamento de proteção utilizado pelos produtores.

À espera de trabalho na rodoviária da cidade, os trabalhadores reclamavam da remuneração, feita pela quantidade de bins colhidos, como são chamadas as caixa de maçãs. Um deles, vindo de Roraima, reclamava que os dias de chuva impediam o seu trabalho e impactavam nos seus ganhos. Outro, vindo de Salinas, em Minas Gerais, dizia que era muito difícil conseguir um valor superior a R$ 1.200,00 por mês desta forma. “Se você trabalhar com uma equipe boa, você faz dinheiro. Se não, você não leva nada”, disse.

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