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Homenageada por Bolsonaro como ‘capital da maçã’, região em SC é palco de violações trabalhistas

São Joaquim, em Santa Catarina, ganhou o título de ‘capital nacional da maçã’ logo no início do governo de Jair Bolsonaro (Foto: Piero Locatelli)

Os produtores de São Joaquim, em Santa Catarina, ficaram animados quando, logo na segunda lei que sancionou, o presidente Jair Bolsonaro agraciou a cidade com o título de “capital nacional da maçã”. Tão animados com a designação simbólica que agora discutem em detalhes como elevar ainda mais o status da maçã plantada na região – para tentar aumentar o preço da fruta. 

Mas uma visita à região deixou claro que essa mesma atenção destinada às maçãs nem de longe chega aos trabalhadores que atuam na colheita e nas demais etapas da produção. Auditores fiscais do trabalho flagraram uma série de violações de direitos em fazendas em São Joaquim e outras cidades da região serrana de Santa Catarina. 

São problemas como trabalho infantil, ausência de registro de trabalhadores, alojamentos e fornecimento de água inadequados, falta de controle de jornadas de trabalho e fraudes no recolhimento do FGTS. Os casos foram identificados em ao menos 18 fazendas no primeiro semestre, quando são colhidas as duas variedades mais comuns de maçãs, a gala e a fuji.  

Mais afetados que os próprios trabalhadores da região são os que chegam especificamente para o período de colheita, os chamados “safristas”. O trabalho na safra é uma promessa de renda extra para pessoas de origens diferentes, como agricultores que vivem em assentamentos no extremo sul do país ou nordestinos que não encontram mais “bicos” na construção civil. Segundo estimativas do programa Safra Cidadã, do governo de Santa Catarina, cerca de 5 mil trabalhadores chegaram à região para trabalhar nos meses de colheita.

Mas a promessa de bons pagamentos muitas vezes não se concretiza. No período de colheita em São Joaquim, em fevereiro deste ano, diversos trabalhadores aguardavam por novos empregos em hotéis baratos ou na rodoviária da cidade. Três deles, vindos do município de Pio XII, no Maranhão, haviam chegado à região fazia pouco mais de um mês com a promessa de ganhar ao menos R$ 2 mil mensais em uma fazenda nas proximidades. Mas, quando chegou o pagamento, receberam somente R$ 800. “A gente estava trabalhando muito, mas na hora do dinheiro, vinha pouco”, contou à reportagem Edilson da Conceição, de 35 anos. Após o pagamento, ele e os amigos saíram da fazenda e voltaram ao centro de São Joaquim, onde passaram a abordar pessoas na rua em busca de outro emprego qualquer. 

Durante a safra, são colhidas as duas variedades mais comuns de maçãs, a gala e a fuji (Foto: Piero Locatelli)  

Presidente da associação de produtores mantinha trabalhadores sem registro

Um termômetro das violações trabalhistas que ocorrem na região é ver o que acontece justamente nas fazendas dirigidas pelo próprio presidente da maior associação de produtores de maçã do país. No comando há 15 anos da Associação Brasileira dos Produtores de Maçã (ABPM), Pierre Nicolás Peres tem defendido, publicamente, a necessidade de rastrear a maçã desde sua origem, afirmando que “é muito importante saber de onde vem o alimento que chega até nossas casas”. “Entre outros aspectos, isso nos dá garantia de que ele foi produzido dentro de padrões éticos e legais relacionados à segurança, saudabilidade e normas ambientais”, diz. 

Porém, dentro das suas próprias fazendas, esse respeito a padrões trabalhistas não tem sido a norma, como mostram as fiscalizações feitas pelo Ministério da Economia. Auditores fiscais do trabalho constataram uma série de irregularidades em duas fazendas da Pomagri, empresa dirigida por Peres em Bom Jardim da Serra, cidade vizinha a São Joaquim. Segundo a fiscalização, 33 empregados estavam trabalhando sem registro e os que atuavam como mão de obra temporária dormiam em alojamentos sem receber cobertores ou travesseiros.

O fornecimento de água também foi questionado pelos auditores. Segundo descrição dos autos, “a água potável fornecida aos empregados na frente de trabalho era consumida por todos com a utilização do mesmo copo”. A fiscalização ainda identificou que não havia “controle de jornada de nenhuma espécie”, citando os trabalhadores que operavam os tratores dentro da propriedade.

Nos últimos dois anos, a Pomagri exportou maçãs para países como Bangladesh, França e Índia. Em seu site, afirma que segue o padrão de diferentes empresas certificadoras, como Global G.A.P, BRC (British Retail Consortium) e Sedex (Supplier Ethical Data Exchange).

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