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Presas de SP criam cooperativa e empreendem da cadeia: "Tenho direito de tentar mudar"

“Nós precisamos dar uma oportunidade de futuro para os presos, para que eles consigam enxergar um mundo distante do crime.”

Orgulho e vergonha na prisão
Por anos, Tânia trafegou entre pequenos delitos e uso de drogas. Nunca tinha costurado ou bordado na vida, mas hoje vê nas agulhas e linhas uma ponte para um futuro do outro lado das grades.

“Acho que essa cooperativa está mudando minha vida. Estou cheia de planos”, diz à BBC News Brasil, emocionada. “Quero que presas do Brasil inteiro conheçam minha história. Tenho direito de tentar mudar.”

 A cooperativa das presas foi autorizada pela Justiça e pelo governo do Estado de São Paulo (Foto: BBC)

 

Sua colega, Flavia Maria da Silva, de 41 anos, também pouco sabia da costura, muito menos de empreendedorismo. “Eu não sabia nem colocar uma linha na agulha”, diz, sentada em um dos pátios. Ela também foi condenada por tráfico de drogas.

Na cooperativa, ao menos 19 das 30 mulheres praticaram crimes relacionados ao tráfico. Segundo o Ministério da Justiça, 62% das presas brasileiras se envolveram com o mercado ilegal de drogas – entre os homens, essa taxa é de 28%.

Flavia conta que uma paixão a levou ao crime. Na adolescência, engravidou de um rapaz por quem se apaixonou. “Além do meu filho, o único legado desse grande amor foi o crime. Fiz parte dessa vida por muito tempo”, conta. “Você acredita nesse mundo de ilusões, mas um dia o dinheiro do crime acaba e você se vê na cadeia.”

 Flavia Maria da Silva, presa há seis anos, aprendeu a costurar na prisão (Foto: BBC)

 

Há seis anos ela vive na cadeia, enquanto seu filho cresce do lado de fora. “Ele vem me visitar a cada 15 dias. Vê-lo entrando, já grande, é meu maior orgulho, mas também minha maior vergonha”, diz.

Na salinha onde as presas trabalham, Flavia aprendeu a usar a máquina de costura com o objetivo de conseguir, no futuro longe das celas, juntar dinheiro para se formar em Direito. “Vi muitas mulheres sofrerem por causa da Justiça, que nem sempre é justa. Por isso quero ajudar minha colegas”, afirma.

“O futuro”
Muitas presas acham que o sucesso da cooperativa de artesanato será uma redenção para vidas que foram erráticas ou que caíram em desgraça por uma escolha equivocada. Veem o negócio recém-nascido como uma volta por cima que será contada com orgulho para parentes e, principalmente, para os filhos.

 A cadeia feminina de Tremembé 2 tem 646 detentas em regime fechado - a capacidade é de 796 pessoas (Foto: BBC)

 

E elas falam muito deles, os filhos.

Segundo o Ministério da Justiça, 75% das presas do Brasil têm um ou mais de uma criança.

Eles foram o assunto preferido de Letícia de Oliveira, de 30 anos, quando conversou com a BBC News Brasil. Ela é mãe de um menino e de uma menina de cinco anos. A garota nasceu na prisão e, aos seis meses, foi separada da mãe após o período de amamentação previsto pela lei.

“Meu pai veio buscá-la. Fiquei tão desesperada que comecei a correr pelo presídio para escondê-la nas celas”, conta, fingindo um sorriso para amenizar o choro. “Só dei o bebê quando meu pai me disse: não se preocupe, Letícia, vocês duas são minhas filhas.”