Tecnologia

O fabricante brasileiro de mísseis que você não conhecia

Gosto pelo desafio

O interesse pela tecnologia e pelas armas já veio de criança. O pequeno Wagner, criado em Pouso Alegre, interior de Minas, queria era detonar. “Gastava todo dinheiro que ganhava com pólvora”. Comprava rojões, juntava latas de óleo, derretia chumbo e confeccionava asas em moldes esculpidos em tijolos. No final, tinha foguetes. “Eles nunca voavam muito longe. Eram pesados. Por sorte, nunca explodimos nada”, lembra.

Aos 14 anos, saiu de casa para seguir a carreira militar na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em Campinas. A faculdade também foi militar: no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, onde vive desde então. Cursou engenharia aeronáutica e se especializou em aerodinâmica. Aos 22, já era professor do instituto, e foi dando uma aula sobre mecanismos de controle de voo que se interessou por mísseis. Tentou explicar como funcionava um rolleron, uma peça de metal que, ao rodar como um catavento, dá estabilidade ao armamento. “Ninguém entendeu nada na aula, nem eu”, diz. Pronto, estava imposto o desafio – estímulo que o move em tudo na vida.

Ninguém te ensina a fazer um míssil. Ou você desenvolve a tecnologia, ou vai viver dependente de outros países.

Quando era pequeno, seu livro preferido era O Homem que Calculava, de Malba Tahan. Parava de ler para tentar decifrar sozinho as charadas e só depois continuava. Mas só pode competir assim, consigo mesmo, porque não sabe perder. “Parei de jogar baralho. Buraco, truco, dava muita confusão. Minha mulher me proibiu de jogar com as crianças, para não me deixar roubar delas”, admite. Com a esposa Gisela disputa até a data do aniversário de casamento. “Ela queria se casar no dia 5 de janeiro de 1985. Então, eu sugeri: ‘por que a gente não se casa antes no civil, dia 28 de dezembro? É até melhor, na cerimônia a gente se livra da papelada’”, conta. Se casaram duas vezes. O motivo da antecipação? Ele não queria perder o desconto do imposto de renda.

Engenharia de guerra

No caminho para o almoço, a fila para a feijoada estava do lado de fora do restaurante. Desistimos. Para ele, melhor assim. “Feijoada tem muita proteína. Fico com crise de gota e ela ataca bem no meu joanete”, conta Wagner, apontando para o dedo do pé. Também sofre de insônia. E de daltonismo, assim como sua mãe, seu pai, e uns cinco colegas de trabalho. Comprou um par de óculos antidaltonismo pela internet, de um site americano. Uma penca de homens correu para testar a novidade. Todos se frustraram. Nos semáforos, Wagner não diferencia vermelho e amarelo. Nada que o impeça de desfilar, em dias de passeio, com seu Maverick “laranja, abóbora, sei lá como vocês chamam aquela cor”. Para ser aceito no ITA, falsificou um atestado. Tirando que queimou uns equipamentos por não conseguir encaixar componentes coloridos nas entradas correspondentes, conseguiu se virar bem.

Não demorou muito para que o desafio do míssil se concretizasse em trabalho. Em 1983, Wagner passou a fazer parte de um projeto especial da DF Vasconcelos, empresa especializada em sistemas óticos complexos, como miras e sistemas de pontaria para aviões. Ele tinha 25 anos e a incumbência de fazer o primeiro míssil brasileiro, o MAA-1, batizado de Piranha. Mas o período era de crise na economia, marcada pela inflação exorbitante, e o projeto acabou passando pelas mãos de várias empresas. Quase todas que se envolveram com o projeto faliram.

Wagner e seus sócios trabalharam em praticamente todas elas. Com o setor bélico destruído pela crise, migraram para o Iraque em 1990, onde passaram um ano estudando mísseis de vários tipos e nacionalidades. Voltaram com a engenharia avançada e, mesmo num cenário econômico difícil, fundaram a Mectron. Wagner até pensou em montar uma fábrica de brinquedos, mas percebeu que, cedo ou tarde, o Brasil precisaria retomar os investimentos em defesa. Graças à iniciativa, o Piranha se tornou realidade, em 1996.

A ambição de conseguir desenvolver tecnologia desse nível também. “Ninguém te ensina a fazer um míssil. Ou você aprende sozinho, ou vai viver dependente de outros países”, aponta Wagner. E ele ainda quer mais. Sonha em produzir um míssil hipersônico, com velocidade cinco vezes maior que a do som. Fascinado pela engenharia, chega a se esquecer do poder destrutivo do que fabrica. Pergunto se algum míssil dele já havia sido disparado em um conflito brasileiro. “Só em testes e treinamentos. Em conflito não, infelizmente”, solta, talvez pensando que não sabe se o míssil funcionaria num momento decisivo. “Ou felizmente, né?”, corrige, lembrando que sabe o estrago que faria.
Fonte: G1

Deixe um comentário