Tecnologia

O fabricante brasileiro de mísseis que você não conhecia

“Quer um café?”, convida Wagner Campos do Amaral quando entro em sua sala. Com a caneca branca a tiracolo, me guia até a copa. Um bigode preto estampado na borda da caneca se sobrepõe ao seu, amarelado, a cada gole. Adereço divertido que o veste como um disfarce, ocultando a mente focada em projéteis de alta destruição. O engenheiro de 57 anos é fabricante de mísseis, armas mortíferas que nem precisam de comando: sua programação é tão refinada que eles perseguem sozinhos o alvo a exterminar.

Quando Wagner entrou para essa indústria, na década de 1980, o Brasil ainda não tinha conseguido fabricar nenhum armamento inteligente. Hoje, estamos entre as potências do mundo que dominam essa tecnologia – e a quantidade de mísseis do nosso arsenal é segredo de Estado. Divulgar um número como esse pode colocar em risco a segurança do País inteiro, nos deixando declaradamente vulneráveis frente a nações com maior poder de fogo. Nos limitamos a saber que a Odebrecht, que agora ataca no mercado de guerra, produz até cinco mísseis por mês. O know-how veio com a compra da Mectron, em 2011, empresa especializada em tecnologia aeroespacial. Foi fundada por Wagner e mais quatro sócios-engenheiros: Rogério Salvador, Azhaury Cunha, Carlos Alberto Carvalho, que assumiram cargos de direção na nova empresa, além de Ricardo Zanetta.

Falar de números é perigoso, mas se exibir com os avanços é negócio. Posiciona o Brasil como gerador de inovação e nos torna competitivos num mercado em que conhecimento, de fato, é poder. Apesar de não sermos um país de guerra, o mundo está de olho nos nossos armamentos. Exportamos para o Paquistão desde 2008. E não para por aí. “Temos outros países interessados, em negociação”, adianta André Paraná, diretor de comunicação da Odebrecht Defesa e Tecnologia.

Para a exposição de novas criações e ideias, no entanto, é preciso ser cauteloso. Notícias criam pressão e não conseguir entregar a tecnologia prometida dentro do prazo faz a credibilidade afundar. De quebra, o spoiler ainda ajuda o inimigo. “Se a gente dá bandeira antes da hora, corre o risco de ser copiado por alguém mais ágil e termina sendo passado para trás”, alerta. Já aconteceu, inclusive. Os Estados Unidos lançaram uma bomba com base numa tecnologia divulgada pela Mectron numa feira, e que a empresa não deu conta de desenvolver. Por isso, Wagner Amaral prefere assumir um “perfil baixo”, como ele mesmo define, e ser o mais discreto possível em relação aos projetos que desenvolve.

Matemática da destruição

Entre 2013 e 2014, 5 mil mísseis cortaram os céus paquistaneses determinados a destruir seus alvos, marcados em solo afegão. Uma chuva mortal que matou talibãs, além de homens, mulheres e crianças que calharam de estar no caminho. A tensão entre os dois países se intensificou quando foi declarada a Guerra do Afeganistão, em 2001, após o ataque às Torres Gêmeas. O Paquistão passou a ser um aliado dos Estados Unidos na luta que exigia a cabeça de Osama Bin Laden. No final de 2008, a Mectron passou a fornecer mísseis para as tropas paquistanesas. Foram vendidos cem mísseis antirradiação de uma vez, por mais de US$ 100 milhões. No ano seguinte, já se negociava a venda de mais uma fornada, dessa vez de mísseis MAA-1B, para combate entre aeronaves. Não faltam cláusulas que exigem sigilo.

O míssil antirradiação encomendado foi o MAR-1. A arma tem a função de destruir os radares inimigos, permitindo que as aeronaves de guerra entrem no território sem serem percebidas. São 90 quilos de explosivo, que liberam centenas de esferas de aço ao identificar seu alvo. A empresa também produz mísseis de quinta geração, como o A-Darter, desenvolvido em parceria com a África do Sul. Ele é capaz de realizar manobras extremas em sua corrida contra caças supersônicos, três vezes mais velozes que o som. Também sabem diferenciar aeronaves inimigas de iscas, que são como bolas de fogo lançadas para despistar os mísseis.

Mas um dos projetos que mais garante visibilidade ao Brasil, hoje, é o submarino nuclear, movido a um reator de urânio. A tecnologia permite que a embarcação não precise subir até a superfície para oxigenar o motor, momento em que fica vulnerável. O submarino está previsto para 2025 e, quando ficar pronto, vai incluir o Brasil na elite de potências navais que produziram submarinos desse tipo, junto com Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China e Índia.

Deixe um comentário