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Ministério da Saúde contrata grupo empresarial investigado por fake news para monitorar covid-19

Não são as cifras bilionárias das ações do governo para combater a covid-19 que vêm acendendo o alerta de especialistas em orçamento público. É a falta de transparência. Do total de R$ 55 bilhões destinados à crise do coronavírus, R$ 2,7 bilhões referem-se a compras sem licitação do Ministério da Saúde, incluindo um contrato milionário com um grupo de telefonia com histórico de má gestão com o poder público.

Por R$ 46,8 milhões, o Ministério da Saúde contratou para gerenciar o sistema de telefonia que monitora a saúde da população um grupo empresarial investigado por explorar consumidores na TV e manipular eleitores fluminenses. Primeiro em 2012, quando espalhou notícias falsas na votação municipal, e depois em 2014, ao ser acusado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) de praticar ataques via telemarketing contra os candidatos ao governo Lindbergh Farias (PT) e Marcelo Crivella (PRB).

A Talktelecom, que ganhou o contrato, pertence aos mesmos sócios da operadora de telefonia Falkland/IPCorp, que tem no currículo oito multas da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), no valor de R$ 7 milhões, por falhas na prestação de serviço. O Procon de São Paulo também já autuou a empresa em três ocasiões, em R$ 194 mil. Nos últimos quatro anos, a IPCorp foi alvo de 6.500 queixas de consumidores na página do Reclame Aqui.

Com apoio da IPCorp, a Talktelecom está operando desde 1º de abril a “Busca Ativa” do TeleSUS, programa federal que vai realizar 120 milhões de ligações telefônicas automáticas para mapear possíveis casos de covid-19 no país e facilitar ações de vigilância.

O contrato, sem licitação, foi fechado com base na lei 13.979/2020, que estabelece as regras de contratação durante o estado de emergência e determina a divulgação de todos os acordos. Embora o Ministério da Saúde esteja publicando a lista de contratos desse período, não há detalhes sobre a participação de outras empresas em concorrências nem os motivos que levaram à escolha dos vencedores.

“Essa transparência é superficial. Não basta lançar o contrato com a empresa vencedora. Tinha que ser divulgado as empresas consultadas, os preços que elas ofertaram e o porquê da empresa escolhida. Todas as fases desse processo deveriam ser detalhadas, mesmo porque estamos falando de valores extremamente elevados”, diz o pesquisador Gil Castello Branco, da associação Contas Abertas, que monitora o orçamento público. 

Foi por meio de um contrato de urgência que o Ministério da Saúde adquiriu, em março, R$ 700 mil em aventais hospitalares de uma empresa que financiou a campanha eleitoral do então ministro Luiz Henrique Mandetta. A empresa é de Campo Grande (MS), reduto eleitoral do político.

Ministério da Saúde já gastou R$ 2,7 bilhões em compras sem licitação desde o início do estado de emergência (Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

Como a pandemia do novo coronavírus é uma situação inédita para gestores e funcionários públicos, há dificuldades para divulgar as informações com rapidez, reconhece o diretor-executivo da organização Transparência Brasil, Manoel Galdino. Ele cobra, porém, transparência do governo e detalhes sobre as transações, para que as compras sejam avaliadas pelos órgãos de controle. “Não só porque pode ter corrupção, mas porque a empresa pode prestar um serviço ruim”, diz.

Questionado pela Repórter Brasil, o Ministério da Saúde não informou se outras empresas disputaram nem os motivos que levaram à contratação da Talktelecom. “Diante da possibilidade do sistema de atendimento presencial sofrer esgotamento, são ofertadas para os cidadãos estratégias alternativas, com escala e mediadas por soluções tecnológicas”, afirmou a pasta por e-mail.

Mescla de jogo de azar e publicidade enganosa

Um dos ramos de atuação da IPCorp é a parceria com produtoras de TV em programas de “quiz televisivo”, popularizadas como “encontre o erro” – e investigadas pelo Ministério Público de São Paulo. Por telefone, telespectadores tentam participar da atração para acertar a pergunta principal e levar o prêmio em dinheiro. Na prática, porém, o serviço é utilizado para aumentar a conta telefônica dos espectadores e elevar o ganho das empresas. Isso porque, segundo a Promotoria de Justiça do Consumidor, o software da IPCorp fazia perguntas aos telespectadores para mantê-los na linha pelo maior tempo possível, sem que chegassem a participar efetivamente do quiz. 

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