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Maioria dos estados não tem laboratórios para identificar agrotóxicos em alimentos

Apesar de ser o maior consumidor de agrotóxico do mundo em números absolutos, o Brasil ainda tem dificuldades em identificar se os resíduos desses produtos estão presentes nos alimentos e na água que a população consome. Um dos principais motivos é o número de laboratórios, tanto público quanto privados, com capacidade de realizar essas análises: são 82 em todo país — localizados em apenas 11 estados, sendo que mais da metade está em São Paulo e não há nenhum na região norte.

Os especialistas consultados pela reportagem avaliam que é um número baixo quando se compara com o uso de agrotóxicos no país. De acordo com o último boletim de comercialização de agrotóxico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 539,9 mil toneladas de pesticidas foram vendidos no Brasil apenas em 2017.

Apenas 11 estados brasileiros têm laboratórios com capacidade para analisar agrotóxicos (Foto: Pixabay)

Além disso, os laboratórios brasileiros só conseguem analisar 242 dos 504 ingredientes ativos que compõem os agrotóxicos autorizados no mercado. Se um ou mais dos outros 262 restantes estiverem presentes em frutas, cereais, raízes, legumes e hortaliças, eles não serão detectados. O número e a distribuição de laboratórios no território nacional foram mapeados pela pesquisadora e química Danielle Barros Santos, da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec-SE) e do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe, que usou como base dados da Agência Nacional de Vigilância (Anvisa) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).    

Os laboratório são cruciais porque, segundo a pesquisadora, é de lá que saem dados como os do último relatório do Programa de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Anvisa. O documento mostrou que 81% das laranjas analisadas entre 2013 e 2015 continham agrotóxico e em 12% desses casos as amostras estavam com volume de resíduo suficiente para causar uma potencial intoxicação em até 24 horas. Esses dados foram revelados em 2016, e desde então a Anvisa ainda não publicou um novo levantamento. 

Os resultados das análises são a principal arma para trazer uma mudança real em relação a agrotóxicos utilizados de modo errado. No caso do PARA, quando identificados riscos, a Anvisa toma medidas como fiscalização, fomento de ações educativas na cadeia produtiva, restrições ao uso do agrotóxico no campo e, até mesmo, incluir o ingrediente ativo em reavaliação toxicológica, podendo retirá-lo do mercado.

“É importante ter análises laboratoriais porque os resultados são provas. Precisamos de dados, números e comprovações. Se a gente analisar todos os casos jurídicos de intoxicação, é para onde eles correm, para os resultados de laboratório”, afirma a química. Seu estudo foi apresentado no Congresso Brasileiro de Agroecologia, que ocorreu no início de novembro em Aracaju. 

Infográfico: Bruno Fonseca/Agência Pública

Danielle pesquisou nos bancos de dados públicos da Anvisa e do Inmetro o termo “Cromatografia” — a técnica utilizada para as análises. Depois, identificou quais faziam esses testes com agrotóxicos e, com o resultado, além de mapear onde estão os laboratórios, ela conseguiu identificar o tipo de análises realizadas. Segundo ela, ainda é preciso melhorar os métodos de extração. “Se avaliamos apenas a metade dos ingredientes ativos disponíveis no mercado, como a gente permite a utilização dessas moléculas em novas formulações se não temos a capacidade de monitorá-las?” 

Em relação aos agrotóxicos analisados, alguns laboratórios informam os compostos com os quais trabalham, enquanto outros, apenas as classes químicas — o que revela, segundo a pesquisadora, uma falta de padronização problemática.

Quadro de fragilidade

Mas o que esse mapeamento dos laboratórios representa para o brasileiro? Um quadro de fragilidade, segundo o vice-presidente da região Centro-Oeste da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Rogério Dias. “O fato de não termos nenhum laboratório de resíduos de água e alimento que consiga de fato avaliar todas as moléculas registradas é um absurdo. E é importante destacar que só é possível analisar 50% das moléculas se você juntar a capacidade de todos os laboratórios. Apenas um mesmo laboratório não consegue isso”, explica.

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