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Imigrantes em oficinas de costura de SP perderam renda com pandemia

A diminuição das atividades comerciais devido à pandemia de covid-19 levou a um impacto generalizado no trabalho dos profissionais da cadeia produtiva da moda, o que foi especialmente sentido pelas trabalhadoras imigrantes em oficinas de costura na cidade de São Paulo e região metropolitana. A conclusão é da pesquisa Mascarando a Miséria, da organização não governamental (ONG) britânica Business and Human Rights Resource Centre (BHRRC), divulgada hoje (3).

Para 87% dos entrevistados, houve uma mudança drástica em seus rendimentos, sendo que a parcela de 42% relatou ter ficado totalmente sem renda e 45% viram a renda diminuir consideravelmente. Quase metade desses trabalhadores do setor têxtil (48%) recebe até R$ 522,50, metade do salário mínimo no Brasil. Apenas 12% têm renda acima do salário-mínimo.

A pesquisa online foi realizada entre 21 de julho e 16 de setembro de 2020 com 146 trabalhadores imigrantes da indústria da moda, entre 17 e 65 anos, com média de idade de 34, moradores de São Paulo ou da região metropolitana. As mulheres são 73% das entrevistadas e 97% do total são bolivianos.  O levantamento contou com o apoio do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI) e do Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV.

Esse impacto direto na renda acabou aproximando a fome da realidade dessas famílias, já que 61% informaram que têm dificuldades para se alimentar durante a pandemia. Quando questionados sobre o recebimento do auxílio emergencial, uma renda básica fornecida pelo governo federal, 56% disseram que estão recebendo o benefício. Sobre as dificuldades enfrentadas na pandemia, as respostas incluíram não ter o que comer; problemas para pagar as contas, principalmente o aluguel; falta de trabalho e, consequentemente, dinheiro para atividades essenciais.

A costureira Aracely Tatiana Merida Urena, 38 anos, boliviana que está no Brasil há 15 anos, precisou recorrer às cestas básicas doadas por entidades de apoio ao migrante na capital paulista. Ela vive com o marido, ambos têm suas máquinas de costura e são autônomos. “Ficamos sem serviço, a renda caiu totalmente. As contas ficaram atrasadas porque ficamos sem serviço e, como só trabalhamos com isso mesmo, então ficaram atrasados o aluguel, a luz, a água, a comida também ficou faltando”, contou.

Para Marina Novaes, pesquisadora e representante da BHRRC, a pandemia agravou uma situação que já é de vulnerabilidade entre esses trabalhadores. Ela destaca que o perfil é de mulheres bolivianas, que trabalham e vivem no mesmo espaço, sem a segurança de um emprego formal. A maioria dos entrevistados (89%) vive no mesmo local onde trabalha, em casas geralmente alugadas por donos das oficinas ou em suas próprias casas quando são autônomas. “São espaços pequenos, precários, onde o trabalho é o mais importante. O espaço para a família é o de menos. O principal é produzir mais e ganhar mais”, disse.

“As mulheres viverem e trabalharem no mesmo lugar é um grande fator de vulnerabilidade porque, como elas trabalham por peça e não têm um salário, quanto mais trabalham mais ganham. Se você mora no mesmo lugar, corre o risco de não parar de trabalhar”, disse, ao comentar as jornadas excessivas. A informalidade também é fator que agrava a situação, segundo Marina, porque eles ficam de fora da proteção trabalhista que existe atualmente, além de dificultar o mapeamento para responsabilização de empresas sobre possíveis violações trabalhistas.

Em 87% dos casos, esses trabalhadores não contam com contratos formais de trabalho, incluindo aqueles com vínculos informais e aqueles que informaram ter seu próprio negócio, ou seja, donos das próprias máquinas ou de pequenas oficinas de costura terceirizadas por alguma loja de roupas. Outros 12% têm contratos formais de trabalho e 1% está desempregado. 

Impactos nas encomendas

O levantamento revelou que as encomendas pararam completamente para 91% dos trabalhadores de oficinas ou autônomos no início da pandemia, e 42% disseram que os negócios ainda não voltaram à normalidade. Apenas para 9% nada havia mudado no período, ou os pedidos tinham somente diminuído.

O impacto na cadeia de trabalho não se restringiu apenas à queda nos pedidos, mas afetou os tipos de produtos solicitados: 84% dos entrevistados disseram que costuraram máscaras durante esse período, que eram, muitas vezes, os únicos produtos encomendados. Além da escassez de pedidos, os preços recebidos pela produção das poucas peças também caíram.

Segundo 78% dos entrevistados, os preços pagos pelos pedidos diminuíram. Como a maioria é formada de trabalhadores informais, com salário medido por peça produzida, tanto a queda nas encomendas quanto a desvalorização das produções tiveram grande impacto na renda.

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