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Homem que fugiu de ditadura argentina localiza irmão 40 anos depois

“Quando me ligaram para dizer que meu irmão tinha sido encontrado, chorei muito”, disse Ismael. Os dois e o outro irmão, Camilo, de 46 anos, que não estava com eles no dia do sequestro, se reencontraram na entidade Avós da Praça de Maio, em Buenos Aires.

"Todos choramos muito e sem parar quando nos encontramos. Foi muito emocionante", diz um dos irmãos (Foto: GETTY IMAGES/via BBC News Brasil)

 

“Parecia que não chegaríamos nunca a Buenos Aires de tão nervoso que eu estava”, disse Ismael. O voo entre a capital de Tucumán e a capital argentina dura cerca de uma hora. “Parecia uma eternidade”, afirmou.

Marcos teve o nome trocado por seus “apropriadores”, como são chamadas, pelas entidades de direitos humanos, as famílias que adotaram filhos de desaparecidos políticos. O nome que a família que o criou lhe deu continua reservado por questões judiciais e porque ele está recebendo ajuda psicológica para se adaptar à nova realidade.

“Todos choramos muito e sem parar quando nos encontramos. Foi muito emocionante. Maravilhoso. Agora, estamos tentando recuperar o tempo perdido”, disse Ismael, com a voz embargada e quase inaudível.

Vocês se parecem? “O corpo dele parece com o meu, os gestos e a altura também. Mas o rosto não. Hoje, ele é uma pessoa triste, traumatizada. Espero que a gente fique cada vez mais unido. Já fizemos churrasco para ele aqui em casa. Mas ainda vai demorar para que ele se sinta em casa”.

Ismael acha que a história do irmão – e a dele também – teria sido outra se a mãe e eles não tivessem sido sequestrados. Rosario del Carmen já tinha sido levada uma vez pelas autoridades quando estava grávida de Marcos. Mas tinha sido liberada. Daquela segunda vez, no final de 1976, foi diferente. E seu destino continua sendo um mistério. “Se minha mãe e meu irmão não tivessem sido sequestrados, com certeza, meu irmão não seria o homem solitário que é hoje”, disse.

Ele contou que os dois têm se falado várias vezes ao dia, ao telefone, desde o reencontro no início deste mês de agosto.

Durante estes mais de 40 anos, Ismael e Marcos cresceram na mesma província e algumas vezes moraram a poucas quadras um do outro (Foto: GETTY IMAGES/via BBC News Brasil)

 

“É estranho, mas é como se sentíssemos saudade daquilo que não nos deixaram viver”, disse Ismael, comovido.

Durante estes mais de 40 anos, Ismael e Marcos cresceram na mesma província e algumas vezes moraram a poucas quadras um do outro.

Quando foram sequestrados, recorda Ismael, eles foram levados para uma casa e, ali, separados e levados para lugares diferentes.

A família que se apropriou de Ismael já tinha até dado entrada no cartório da papelada para mudar sua identidade quando ele escapou e foi procurar o tio na rodoviária – como descobriram seus familiares mais tarde.

Ismael trabalha hoje em um emprego temporário colhendo limão no interior de Tucumán. Marcos continua morando na capital da província. Ele é o neto 128 a ser localizado e a ter a identidade recuperada pelas Avós da Praça de Maio. Elas estimam que pelo menos outros 300 ainda vivam, sem saber, com a identidade que não lhes corresponde.

O drama dos recém-nascidos e das crianças roubadas de seus pais durante a ditadura já inspirou vários livros e filmes, como A História Oficial, que ganhou Oscar para Melhor Filme Estrangeiro em 1986.

Segundo historiadores e a própria Justiça argentina, houve um esquema sistemático organizado por militares que envolvia a partos ilegais de mulheres detidas, sequestro dos filhos e sua posterior troca da identidade, como ocorreu com Marcos.