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Setor de frutas gera riqueza no Nordeste, mas pouco fica com o trabalhador

“Os trabalhadores estão com muita depressão, e as empresas acham isso normal”. O alerta é de Rita de Cássia, uma sindicalista que atua em fazendas de frutas no município baiano de Casa Nova, localizado no polo agroindustrial do vale do rio São Francisco.

Entre carregamentos de manga, melão, uva e vinho, enviados para supermercados aqui e no exterior, lideranças de trabalhadores rurais relatam que o mercado de trabalho local, da maneira como está organizado, tem sido incapaz de oferecer salários dignos e boas condições de trabalho.

Em parceria com entidades sindicais, organizações como Oxfam e Repórter Brasil tem se esforçado para pressionar empresas envolvidas com o setor, como supermercados e certificadoras, a promoverem melhorias nas condições de trabalho.

Pernambuco e Bahia, que dividem o polo do vale do São Francisco, são responsáveis por 62% das mangas e por 53% das uvas produzidas no Brasil. O Ceará e o Rio Grande do Norte, onde polos de frutas também se desenvolveram, colhem 75% dos melões.

Empresas que atuam no ramo empregaram cerca de 90 mil pessoas. Porém, metade desses trabalhadores só obtém ocupação durante seis meses no ano e, depois, é demitida.

A situação de trabalhadores safristas é a mais grave, em uma relação de trabalho que se estende por semanas ou poucos meses. A renda mensal média em um ano para quem trabalhou no melão, manga e uva como safrista por seis meses seria de apenas R$ 687,88, R$ 593,50 e R$ 590,96 respectivamente. De acordo com a Pnad (IBGE), esses números os colocam entre os 20% mais pobres do Brasil.

Os dados foram apurados pela equipe da Oxfam Brasil, que lançou a campanha “Frutas doces, vidas amargas” no fim do ano passado. Como pode o Brasil ser o terceiro maior produtor de frutas do mundo, gerando uma renda de R$ 40 bilhões por ano, e não conseguir garantir sequer o salário mínimo para os empregados do setor?

“Verificamos que o salário dos trabalhadores da fruticultura está 44% abaixo do recomendado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Nas frutas, a gente viu que a produção dos safristas é muito grande. Mais da metade da mão de obra é safrista e esta metade trabalha seis meses”, destaca Gustavo Ferroni, da Oxfam Brasil.

Debate aberto

O tema foi tratado no seminário “Desafios para a Sustentabilidade na Cadeia de Frutas”, realizado em dezembro em São Paulo, e que recebeu representantes do setor empresarial. Um dos objetivos centrais do encontro foi promover um maior conhecimento aos sindicatos quanto às certificações.

O sucateamento das relações trabalhistas a partir das mudanças nos governos Temer e Bolsonaro, por exemplo, poderia ser melhor enfrentado no caso de haver maior envolvimento das empresas e dos atores responsáveis pelas auditorias e certificações. Uma mudança de perspectiva que pode se refletir, por exemplo, nas negociações coletivas entre empresas e trabalhadores. Em janeiro, algumas dessas negociações já registram importantes rodadas.

No seminário, representantes das empresas Unilever e Tesco apresentaram suas principais ações para trazer sustentabilidade e respeito aos direitos em suas cadeias produtivas. Por outro lado, representantes de organizações sindicais e da sociedade civil, como Contar, Dieese, Fetarn, Fetraern e sindicatos de Juazeiro e Petrolina relataram as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores.

Gyslainne Alline Alves Lima, do sindicato de Casa Nova, detalhou os problemas. “No Vale do São Francisco, muita coisa ali não acontece. Ônibus coletivo é um avanço, mas ele está lotado, com 20, 30 pessoas em pé, quebra no caminho e as pessoas voltam a pé… Quando o sindicato sabe, já foi. Só tem um bebedouro, água gelada não tem. Se a certificadora chega lá e vê o bebedouro, não imagina que no dia a dia, meio-dia, já não tem mais, está seco. Essa ideia da certificadora, da experiência por si só, sem estar com o sindicato, não é válida, pois precisa ter um canal”, comentou.

No debate, vários apontamentos mostraram que a vida dos coletores das doces frutas brasileiras anda para lá de amarga. Há falta de EPI (equipamento de proteção individual) e contato direto com agrotóxico; banheiros são escassos ou há restrição de uso. Sem contar as reclamações constantes de falta de água e de lugar adequado para alimentação. Ferroni também o relatou o ambiente estrutural de medo e de vulnerabilidade, pois os safristas não sabem quando terão emprego novamente.

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