Economia

O mercado não acredita mais em quedas de juros (só nas pontuais)

Um dos meus primeiros trabalhos remunerados foi na empresa de meu tio, irmão mais velho de minha mãe. A situação que enfrentamos à época pode nos ajudar a compreender o cenário brasileiro de taxa de juros de uma forma simplificada.

Apesar de ganhar bem, meu tio sempre teve despesas que empatavam com suas receitas: se ele ganhava R$ 10 mil ao mês, gastava R$ 10 mil; se ele recebia R$ 20 mil, gastava R$ 20 mil.

Enquanto sua renda subia ano a ano, ele não teve grandes problemas de endividamento. Porém, no início de 2008, o cenário mudou um pouco.

Dono de sua própria empresa, ele mantinha um padrão de vida bem condizente com sua receita. Até que a demanda por produtos e serviços foi fortemente impactada, consequência da crise econômica daquele ano.

Visando manter seu padrão de vida, logo veio o pedido de socorro ao banco – ele, claramente, acreditava que o cenário voltaria a melhorar em um futuro não muito distante.

O primeiro empréstimo foi, então, concedido a uma taxa à época bem razoável. Afinal, meu tio nunca havia atrasado uma parcela sequer de seus antigos financiamentos, e sua renda anual era muito superior à quantia que estava pedindo emprestada.

Em um segundo momento, com a intensidade da crise que afetou o setor de sua empresa, ele começou a atrasar algumas parcelas de seus empréstimos e financiamentos.

Na tentativa de “tapar o sol com a peneira”, pedia um empréstimo para cobrir o anterior. Sempre na esperança de que, no futuro, quando tudo melhorasse, ele conseguiria pagar suas dívidas e, finalmente, se ver livre dessa bola de neve.

Lembro como se fosse hoje que, no quarto pedido de empréstimo, depois de meses e meses do início da crise, os juros cobrados pelas financeiras e bancos que ainda o aceitavam eram muito altos: equivaliam a mais do que o dobro daqueles dos primeiros empréstimos concedidos.

“Por que isso ocorreu?”, você deve se perguntar. Bom, antes deixe eu contar um pouco da situação atual do Brasil no meu ponto de vista.

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deu a entender que os juros, se ainda não atingiram seu patamar mínimo histórico, estão bem perto de chegar lá.

As próximas decisões devem ser baseadas nos futuros dados de atividade e inflação, além da estabilidade política. E, claro, em possíveis sinalizações sobre a continuidade da política de reformas que englobam, por exemplo, a tributária e a administrativa.

Esses pontos, na verdade, vão ditar também o comportamento de mercado, fator que o Banco Central leva em conta nas suas decisões de política monetária.

Grande parte do mercado, assim como eu, esperava uma porta quase fechada para possíveis novos cortes. No fim, essa possibilidade – e a porta –, ficou bem aberta, o que ocasionou uma queda nos juros futuros de curto prazo.

Porém, quando analisamos os juros futuros de longo prazo, que se aproximam mais do que seria uma estimativa de juro neutro brasileiro, ou um juro estrutural, vemos que o impacto foi pífio, para não dizer nulo.

Antes da última reunião, uma proxy para a expectativa média de juros em 2021 estava em aproximadamente 2,46% ao ano. Uma semana depois, esse mesmo índice aponta para uma taxa de 2,37%.

Apesar de pequena, uma queda de quase 0,10 ponto percentual é algo que mostra que o mercado passou a atribuir maior probabilidade a um cenário com uma Selic mais baixa ao longo do próximo ano.

Quando olhamos, entretanto, uma proxy de longo prazo, que nos mostra a expectativa média de juros para os próximos dez anos, e que é a taxa que realmente importa para os impactos na atividade econômica, vemos que o nível saiu de 7,44% para 7,76%.

Ou seja, houve uma alta na expectativa de juros no longo prazo, e não uma queda, como ocorreu nos de curto prazo. O que isso quer dizer?

Isso nos mostra que as quedas de juros adicionais, a partir de agora, devem ser pontuais, e isso para enfrentar os impactos extremamente recessivos adicionais que podem ainda ser causados no curto prazo pela pandemia do novo coronavírus.

Ninguém acredita que essas novas quedas são sustentáveis no médio e longo prazos.

O Brasil, assim como a história do meu tio, está com uma perspectiva de endividamento ruim. A relação dívida/PIB brasileira deve encerrar o ano em um patamar superior a 90%. Ou seja, o nosso país vai dever 90% do valor de toda a sua produção anual de bens e serviços.

Os investidores, assim como os bancos que emprestaram dinheiro para o meu tio, comparam nível de endividamento, renda anual, bem como analisam o risco de não receberem os seus recursos de volta.

Um país que não tem controle de sua dívida e a observa crescer em ritmo acelerado, uma hora ou outra, vai ser atingido pelo aumento de desconfiança por parte dos investidores quanto à sua sustentabilidade fiscal, ou seja, sua capacidade de pagar o que deve.

Assim, esses mesmos investidores, se isso acontecer, podem deixar de cobrar taxas de juros para o prazo de dez anos de níveis próximos a 7% ao ano, para passar a exigir juros maiores, como 8%, 9% ao ano, ou até mais que isso, para financiar o país – níveis mais condizentes com o risco que o Brasil oferece.

Para que os juros de longo prazo, que são os mais relevantes para a atividade, continuem a cair, o Brasil vai precisar focar na resolução de seu crescente nível de endividamento e em seu problema de baixa produtividade, causado, por exemplo, pelo baixo nível de educação da população, pela complexidade tributária que está ligada também à burocracia e, é claro, por uma infraestrutura de baixíssima qualidade.

Em minha visão, enquanto esses pontos não começarem a ser endereçados, a taxa Selic ainda vai oscilar de acordo com o nível de atividade.

Depois de anos de recessão até meados da última década, seguidos de crescimentos pífios até 2019, o Brasil e o mundo passam por uma crise sem precedentes em termos de atividade econômica.

Essa atividade muito fraca, para mim, é o principal motivo pelo qual as taxas de juros estão onde estão, e não pelo nosso grande avanço em termos de reformas estruturais para que os juros se enquadrem em um nível realmente mais baixo por um longo período de tempo.

As discussões cada vez mais presentes entre os congressistas brasileiros, sobre estender os auxílios e benefícios concedidos pelo governo para enfrentar a crise atual por mais tempo, são um importante indicador de que, talvez, a preocupação fiscal esteja ficando cada vez mais de lado, dando lugar a medidas que, de novo, aumentam cada vez mais nossos gastos públicos.

A desconfiança dos investidores, em minha visão, ainda deve causar uma alta relevante nos juros de longo prazo dos títulos brasileiros.

E sabe quais ativos de renda fixa são fortemente impactados por esses juros? Os prefixados e indexados à inflação, os famosos IPCA+, principalmente os de longo prazo.

Sendo assim, acredito que este não é o momento para você ter esses ativos na sua carteira de renda fixa, pois, se esse cenário se materializar, as perdas podem ser bem relevantes. O momento é de revisão da carteira e de cautela com novas alocações nesses títulos.

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Fonte: Infomoney Mercados rss

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