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No Brasil, sobram boas ideias, mas falta dinheiro, diz investidor canadense


Yuri Navarro, CEO da National Angel Capital Organization (Naco), do Canadá (Foto: Divulgação)


 


Falta dinheiro, mas não faltam boas ideias e bons empreendedores no Brasil. Essa é a visão do canadense Yuri Navarro, CEO da National Angel Capital Organization (Naco) – organização canadense que representa cerca de 3 mil investidores-anjo. De longe, ele vê algumas vantagens em investir no país. A grande competição por capital, diz Navarro, gera startups mais robustas em termos de receita e produto.


Em visita ao Brasil, em julho, para o lançamento da quarta edição do programa de aceleração da Dream2b, que vai levar startups ao Canadá por 4 semanas, o canadense falou a Época NEGÓCIOS. A seguir, alguns dos principais momento da conversa.


Como podemos incentivar mais pessoas a se tornarem investidores-anjo no Brasil?

Muitos ecossistemas fora do Vale do Silício e Israel estão começando a dar mais atenção aos investimentos e startups, e há um movimento global de educação para investidores. Muita gente que antes colocava seu dinheiro em setores tradicionais, como mineração e imóveis, está percebendo que esses investimentos não dão o tipo de oportunidade como as startups. Quem se envolver com o próximo Facebook ou com o próximo Google pode ter um rendimento de não 20, mas 200 ou 300 vezes sobre o capital investido. É preciso educar os possíveis investidores anjo, criar redes para que possam aprender uns com os outros. É uma área difícil para começar a investir, e muitos se assustam com a possibilidade de perder todo o dinheiro que colocaram em uma startup.


É possível mitigar esse risco?

Em investimentos mais tradicionais, os investidores entendem riscos envolvidos, variáveis e possíveis pontos de falhas. Eles também sabem  quais métricas devem acompanhar. Para investir em startups, por outro lado, é preciso entender outros tipos de riscos e outras métricas, há outras habilidades que você deve buscar em um empreendedor em quem vai investir.


Qual é o perfil de investidores anjo no Brasil? Há diferenças na comparação com o Canadá?

É muito similar ao Canadá. Os investidores anjo normalmente são de duas áreas. Muitos têm experiência em tecnologia, então entendem de empresas de tecnologia e os riscos envolvidos, às vezes são empreendedores bem sucedidos no mundo das startups. O outro tipo vem do setor de serviços financeiros, são pessoas que trabalharam em bancos de investimento e entendem a dinâmica de risco, mas que não entendem da tecnologia – e esses trazem muito conhecimento sobre como deve funcionar uma empresa, o que tem muito valor.


Aqui no Brasil, muitas vezes os investidores anjo são familiares ou amigos do fundador. Isso é um problema?

Não, muitas empresas começam com o investimento da família e de amigos – e mesmo quando as pessoas não são extremamente ricas. Mas poucas empresas conseguem se financiar apenas com esse dinheiro de pessoas próximas, então o que você costuma ter é um grupo que envolve amigos e familiares, mas que também inclui pessoas de fora. E muitas das pessoas que investiram uma vez em uma empresa de um primo ou sobrinho acabam ficando “viciadas” e se tornam anjos. Brinco com o “vício” porque uma vez que você faz um investimento anjo, vê o quanto é emocionante fazer parte da história de uma empresa e fica com vontade de fazer mais.


O setor diz que ainda há muitos impostos sobre os investimentos. Como melhorar a relação com os reguladores?

Muitas vezes a legislação pode ser complicada. No Canadá, temos um problema com o que chamamos de empresas zumbis – são aquelas que não fracassaram mas que também não foram bem-sucedidas. Há uma questão da responsabilidade legal dos investidores com essas empresas, e às vezes é difícil para o investidor sair, apesar de querer porque não vale mais a pena o risco. É muito importante que os governos entendam, resolvam essas questões e reduzam os impostos, porque a tecnologia será o futuro de todas as economias. Para que o Brasil se torne um líder, é preciso que mais investidores privados injetem dinheiro nos empreendedores, e isso só vai acontecer se houverem incentivos a isso. É preciso ter impostos baixos e legislação que favoreça.


Você diria que esses são os maiores desafios para os investimentos anjo no mudo? Impostos e regulamentação?

Não, esses são obstáculos importantes, mas não são os principais. O maior desafio é a qualidade dos empreendedores. O empreendedor precisa estar pronto para receber o investimento, precisa ter se preparado, entender o setor e seu negócio. Essa preparação, que pode envolver programas de incubação e mentorias, faz com que o empreendedor seja bem-sucedido no pitch. O investimento-anjo é uma relação que vai durar por 10, talvez 16 anos, então o empreendedor precisa estar pronto.


Qual diferença você vê no ecossistema brasileiro?

Eu acho que no Brasil, há provavelmente mais boas ideias do que capital. E isso pode ser muito bom, porque os negócios tendem a ser muito fortes em receita e base de clientes, até mais do que seus pares nos Estados Unidos ou na Europa. Isso faz com que as empresas brasileiras sejam muito atrativas para os investidores estrangeiros, porque as empresas aqui têm produtos reais, tração de mercado e muito potencial para crescer.


O que o Brasil pode fazer para copiar o bem-sucedido caso do Canadá em impulsionar o empreendedorismo?

O primeiro passo é reconhecer que é um longo caminho. Não é algo em que você investe hoje e vê resultado amanhã. Você investe hoje, e continua investindo pelos próximos 5 ou 10 anos para então ver o resultado. Isso vale para o governo, mas não só. É preciso mudar a mentalidade, e isso envolve investidores e empreendedores também.




Fonte: Editora Globo – Notícias gerais