Funeral online: você morre, mas sua vida digital fica
Para escolher um contato do tipo, é só entrar em “Configurações > Gerenciar conta”. Ele não terá acesso à sua conta nem às mensagens, mas dá também para selecionar a opção de excluir permanentemente o seu perfil quando a hora chegar.
O Google permite fazer uma espécie de “testamento” para a sua conta na plataforma por meio da ferramenta “Gerenciador de contas inativas”. Ali você decide o que deve ser feito com as mensagens do Gmail, as imagens do Google Fotos, os arquivos do Google Drive. Dá para escolher um contato de confiança, que ficará com tudo, ou simplesmente estabelecer um prazo de inatividade após o qual tudo será excluído. Nota: o contato de confiança não receberá suas senhas. Nem ele nem ninguém poderão passar e-mails em seu nome depois da sua morte.
Fora isso, familiares e outros conhecidos podem entrar em contato com a plataforma para encerrar uma conta ou solicitar os dados dela. Mas é bom preparar a papelada. O Google pede uma extensa lista de documentos digitalizados do falecido – tudo em inglês, com tradução juramentada – documento oficial feito por um tradutor habilitado.
No Twitter não dá para especificar um “herdeiro”. Se você quiser desativar a conta de um parente morto, terá de passar pela mesma burocracia de denunciar uma conta falsa. A empresa pede, por e-mail, uma série de documentos, de modo a evitar fraudes.
A melhor maneira de proteger os seus dados após a morte é escolhendo um “contato herdeiro”. No Google e no Facebook, isso é possível.
Enterro terceirizado
Embora escondidas nos meandros das configurações, as maneiras de cuidar das contas digitais de uma pessoa morta estão lá, não podemos negar. Mas por que, então, quase não se fala disso?
“No Brasil, nós não temos uma cultura de planejar o que será feito com os nossos bens após a morte”, diz Cíntia Pereira de Lima, professora de direito civil da USP e pesquisadora na área de dados pessoais na internet. De fato. Em 2016, o Brasil registrou 33.640 testamentos. O número aumentou em 42% em relação ao ano anterior, mas fica pequeno se compararmos aos 1.240.029 mortos acima de 15 anos naquele período, segundo o IBGE (a idade mínima para fazer um documento do tipo é 16 anos).
Se a cultura de cuidar do pós-vida ainda não se consolidou por aqui, em outros países já há até empresas especializadas nisso.
É o caso da DigitalOX, do Reino Unido. Ela oferece o chamado cyber funeral, que ajuda familiares a remover os dados de um ente próximo. Eles atuam sob leis federais que já garantem esse tipo de direito à população. Em 2018, ela realizou 80 remoções – 25 delas precisaram ir ao tribunal após o Google se recusar a excluir.
A companhia britânica realiza dois tipos de velório. O primeiro, mais simples, dá o controle sobre as contas para a família do morto. Já o segundo é para casos em que os vestígios digitais criam uma imagem negativa tanto para o falecido quanto para os seus parentes. Para isso, eles entram em contato com buscadores como o Google para diminuir os resultados de pesquisa sobre o indivíduo, e cobram um valor mínimo de R$ 1.500.
Na Coreia do Sul, uma das primeiras do tipo foi a Santa Cruise. Fundada em 2008, ela atua na tarefa de limpar as pegadas digitais de alguém, sobretudo vítimas de revenge porn (quando ex-parceiros compartilham vídeos íntimos como forma de vingança). Nos últimos anos, a companhia se especializou em aceitar também pedidos de famílias que queriam tirar da rede dados de um parente morto. Desde 2017, a Santa Cruise realizou, ao todo, 5,5 mil remoções. O funeral coreano custa a partir de R$ 2 mil.
O céu pode esperar
O mercado de enterros online está surgindo, mas ele não é o único no setor pós-morte. O aplicativo Replika é um dos exemplos mais curiosos. Ele constrói um clone digital do seu usuário com uma ajuda da inteligência artificial. O app funciona como um amigo virtual: pergunta como foi o seu dia, o que você está sentindo e quais os seus hobbies. Durante essas conversas, ele analisa seus gostos pessoais para que consiga imitar os padrões de comportamento e, aos poucos, virar uma réplica de você.