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Exclusivo: as empresas que servem de ‘barriga de aluguel’ dos agrotóxicos

Exemplo disso é a transferência de registros do herbicida Paraquat. Em setembro de 2017, a Anvisa decidiu que em 3 anos o herbicida seria banido do mercado por conta dos riscos à saúde, que incluem mutagenicidade e doença de Parkinson. Pelo menos quatro registros do Paraquat foram transferidos entre empresas durante o período do levantamento.

Outro expediente usado é a troca de produtos com ingredientes ativos diferentes ou com uso em demais culturas. O propósito é conseguir atingir mais setores do agronegócio. Há casos como o das empresas Rainbow Defensivos Agrícolas e Albaugh Agro Brasil, que trocaram produtos entre si. Na edição do Diário Oficial da União de 8 de agosto deste ano a Rainbow transferiu os produtos Blowout e Clenil Xtra para a Albaugh Agro Brasil; e na leva de transferências seguinte, em 26 de agosto, foi a vez da Albaugh transferir produtos para a Rainbow, o Skip 125 SC, Golds 500 SC e o Wish 500 SC. 

O pedido de autorização feito por uma empresa que não vai produzir o agrotóxico pode ser entendido como uma “especulação”, que ocorre usando um processo custoso para os cofres públicos (Foto: Guilherme Peters/Agência Pública)

O Clenil Xtra é um fungicida à base de Clorotalonil usado em culturas como batata, cenoura e feijão; o fungicida o Skip 125 SC é feito à base de Flutriafol e usado na soja; o acaricida Gold’s 500 SC tem como ingrediente ativo o óxido de fembutatina e é usado em frutas cítricas e o fungicida Wish 500 SC é feito à base de carbendazim e usado em plantações de algodão, feijão e soja. Não há informações sobre o uso do Blowout. 

Procurada pela reportagem, a Albaugh respondeu em nota que a transferência constitui medida autorizada pela legislação. “É facultado às empresas do setor de agroquímicos, portanto, tomar decisões nesse sentido e com isso ampliar ao produtor a oferta de tecnologias para manejo de pragas, doenças e plantas daninhas. Informamos ainda que os produtos em questão pertencem à categoria dos ‘pós-patente’, e têm sido utilizados regularmente por agricultores e profissionais do setor agrícola. A comercialização de tais produtos pela Albaugh, entretanto, dependerá ainda de uma decisão de natureza comercial, conforme o planejamento da companhia”, informou em nota. 

A Rainbow não respondeu até a publicação desta reportagem. 

Aprovações eternas levam a “especulação” que valoriza empresas

Mas por que uma empresa como a Albaugh adquire um agrotóxico se não vai comercializá-lo? A resposta foi obtida pela Anvisa em 2011, depois de um estudo para descobrir por que a metade dos produtos aprovados pelo governo não estavam indo para o mercado.

O pesquisador da Fiocruz e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luiz Cláudio Meirelles, era gerente-geral da Anvisa na época e diz que um dos principais motivos é o valor de mercado das companhias. Ou seja, trata-se de uma “especulação” usando um processo trabalhoso e custoso para os cofres públicos.   

“Quando uma empresa que produz agrotóxico é vendida, metade do valor que se paga por ela é pelo portfólio de produtos que ela tem. Por isso temos uma avalanche de registros, e só metade dos produtos efetivamente no mercado”, explica. “Quando o governo (Mapa, Anvisa e Ibama) aprovam um agrotóxico, a expectativa é que ele vá para o mercado, mas um dos motivos que levam as empresas a continuar registrando produtos que não serão vendidos é porque os agrotóxicos no Brasil não tem data de validade para sair do mercado”, completa. 

O pesquisador alerta para a necessidade de realizar fiscalizações após o processo de mudança de proprietário do registro, o que é previsto pelo Decreto n° 4074/2002. A Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura deveriam fiscalizar. “Os três órgãos que fazem a avaliação também tem competência para avaliar se, após a transferência, a produção do agrotóxico está sendo feita do modo que deveria. Se você tiver uma alteração qualquer na composição, você pode estar modificando todos os resultados do estudo de toxicidade”, aponta o ex-gerente geral da Anvisa.

Luiz Cláudio questiona também como pequenas de consultoria acabam conseguindo a permissão de comercialização de agrotóxicos. “O problema é que estamos aprovando empresas que não têm a menor condição de produzir um produto. Não deveríamos conceder registros apenas a empresas que têm condições de colocar o produto no mercado?”. 

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