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Exclusivo: as empresas que servem de ‘barriga de aluguel’ dos agrotóxicos

Esse processo é chamado oficialmente de “hospedagem de registros”, e conhecido informalmente como “barriga de aluguel”.  

“É assim que as grandes corporações encontram nessas empresas um ‘atalho’ para o início imediato da produção de algum agrotóxico, sem necessariamente passar pelo longo processo de registro” explica o advogado Cleber Folgado. A reportagem tentou contato com todos os escritórios mencionados, mas não obteve retorno até a publicação desse texto.

Líder nas transferências

Das 37 empresas que transferiram a permissão de comercialização de agrotóxicos no período do levantamento, a DuPont do Brasil foi a líder, com 136 registros, sendo 117 temporários — transferidos para a FMC Química do Brasil. A transferência ocorreu porque em 2017 a FMC Corporation comprou parte do negócio de defensivos agrícolas da DuPont.

A vice-líder dentre as empresas que mais transferiram registros é a Allierbrasil, com 30 processos. O sócio da empresa, Flavio Hirata, conta que os principais clientes são empresas da China e Índia. “Isso acontece devido ao longo tempo para obtenção do registro, o que não se justifica a abertura de escritório local com equipe especializada, sem atividade comercial.”  Ele explica que um dos focos da empresa é registro de produtos, que “envolve desde a seleção de laboratórios, acompanhamento dos testes, orientação em relação aos produtos com potencial após a aprovação do registro, que demora muitos anos, procura de fabricantes (no caso de traders e distribuidores) e seleção de distribuidores (no caso de estrangeiros que procuram parceiros locais)”. 

Flávio explica ainda que a empresa atua a partir da necessidade do cliente. “Uma vez que o registro é aprovado, muitos optam por transferir a titularidade para si, e atuar diretamente no mercado.” 

Um serviço semelhante é oferecido pela Plurie Soluções Regulatórias, que transferiu 14 registros nos últimos 20 meses, todos para a empresa suíça Syngenta, uma das líderes do mercado. “A maioria dos nossos clientes é de multinacionais, mas temos também empresas menores que estão começando a atuar no Brasil”, explica a gerente de registros, Ana Camargo. Ela conta que a atuação da assessoria ocorre em toda cadeia de registros. “Vai desde a implantação da empresa no Brasil à legalização, até a obter os registros e manutenção”, diz. 

A gerente afirma que o processo de hospedagem de registros não é uma venda, mas uma “parceria”. “Quando a empresa está entrando no país, ela passa por questões burocráticas demoradas. Para ganhar tempo, entramos com um pedido de registro. É um acordo comercial, onde depois transferimos o registro para a empresa”, afirma Ana Camargo. Apenas em 2019, a Plurie conseguiu a aprovação de sete registros de produtos agrotóxicos. 

No caso de transferências para grandes empresas, a gerente conta que o registro pode ser retirado em nome do escritório para facilitar o processo. “Muitos desses produtos são clones. Não se trata de novos produtos, mas sim de uma nova marca. Por exemplo, se é um produto voltado para plantações de cana, ele recebe uma marca e um nome, se for para a de soja, recebe outro. Produtos clones nós costumamos tirar em nome da consultoria, para facilitar o processo. Como são muitos papéis a serem assinados, e estamos em escritórios diferentes, fazemos isso por uma questão de praticidade”, diz. 

A Syngenta, que recebeu os registros transferidos da Plurie, defendeu o procedimento. “Pode se tratar de uma aquisição, de estratégias de complementação de portfólio, de formas de capturar oportunidades de mercado via acordos de distribuição.  As concessões de registros significam mais alternativas de produtos para os agricultores, sem que isso implique em um aumento no volume de uso de agrotóxicos.”

Por que tantas transferências?

Segundo um levantamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre 2005 e 2013, foram 382 transferências de registros permanentes. “Identificamos que 65% das transferências foram realizadas por escritórios de registros. Foi algo que começou a crescer quando o Brasil veio se tornando um dos maiores mercados de agrotóxico no mundo. Como a espera na fila era muito longa, esses escritórios conseguem os registros e depois transferem esse direito de propriedade”, conta o professor Victor Pelaez, responsável. 

Porém, há também questões mercadológicas que explicam tantas transferências. “Há grandes companhias que transferem seus registros para empresas menores. Geralmente são produtos que já estão no fim do ciclo de vida, ou seja, estão com risco de serem banidos do mercado e deixam de ser interessantes”, explica Victor. 

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