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Conheça a lei que vai causar prejuízo bilionário ao Ministério da Saúde e ampliar lucro das farmacêuticas

“Quem possui a patente desta vacina?”, pergunta o jornalista na TV. “O povo, eu diria. Não há patente”, responde o médico e cientista norte-americano Jonas Salk na famosa entrevista que concedeu em 1955, após lançar a primeira vacina contra a poliomielite, doença contagiosa que desafiava a medicina na época. “Você poderia patentear o sol?”, continuou o cientista, que se tornou inspiração para quem defende medicamentos acessíveis à população. 

A provocação do pesquisador faz sentido. O preço dos medicamentos está diretamente ligado à existência (ou não) de uma patente – instrumento que garante exclusividade na fabricação e venda de um produto. Sem concorrentes, os valores dos remédios tendem a ser mais altos – o que garante lucro maior à indústria farmacêutica. 

No Brasil, contudo, uma singularidade da legislação permite que o monopólio de um remédio dure mais tempo do que a média mundial, o que atrasa a entrada de genéricos no mercado, que são mais baratos.   

Por conta disso, o Ministério da Saúde vai desperdiçar R$ 3,8 bilhões nos próximos dez anos com a compra de nove medicamentos, indicados para o tratamento de câncer, hepatite C, reumatismo e doenças raras. O gasto foi estimado por pesquisadores do Grupo de Economia da Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Enquanto o prazo de uma patente farmacêutica é de 20 anos em outros países, no Brasil a duração média é de 23 anos. Há casos que passam dos 28 anos. “A legislação brasileira dá um benefício extra às empresas que não estava previsto [no tratado internacional que determinou duas décadas como tempo padrão]”, diz a economista Julia Paranhos, coordenadora do estudo.

Artigo 40, parágrafo único

O problema no Brasil gira em torno da Lei de Propriedade Industrial, aprovada em 1996 sob forte lobby do setor farmacêutico. Um artigo da lei autoriza o tempo extra às patentes caso o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) demore mais de 10 anos para analisar um pedido. Atualmente, o órgão leva em média 13 anos para concluir uma análise do setor farmacêutico – o que amplia para 23 anos, em média, o monopólio sobre um remédio.

Um exemplo é o dasatinibe, usado no tratamento de leucemia. Nos últimos cinco anos, o Ministério da Saúde gastou em média R$ 69 para cada comprimido. Na Índia, a versão genérica é vendida a R$ 16. O remédio similar poderia chegar ao Brasil em abril de 2020, quando completa 20 anos a patente do dasatinibe. Porém, o mercado nacional continuará fechado até novembro de 2028, porque o INPI demorou 18 anos para analisar o pedido. 

O polêmico trecho da lei está em debate no Supremo Tribunal Federal, onde uma ação de 2016 da Procuradoria-Geral da República pede o fim da prorrogação de patentes no Brasil, mas não há prazo para o julgamento.

O INPI concedeu 683 patentes farmacêuticas desde 1997, das quais 630 (92%) foram beneficiadas com a prorrogação acima dos 20 anos, segundo levantamento do grupo de pesquisa da UFRJ, que investiga o setor há mais de 10 anos.

Mesmo quando a prorrogação não se aplica, como no caso das patentes pedidas antes de a lei entrar em vigor, a indústria farmacêutica recorre ao artigo 40 para entrar com ações na Justiça pedindo a extensão do monopólio. É o caso do humira (para artrite reumatoide e outras doenças), do laboratório norte-americano Abbvie. Uma ação judicial garante à empresa a exclusividade no Brasil até fevereiro de 2020, embora sua patente tenha expirado em 2017. 

Enquanto uma decisão definitiva da Justiça não sai, a insegurança jurídica mantém concorrentes fora do mercado. Com isso, nos últimos cinco anos, o Ministério da Saúde repassou R$ 3,7 bilhões à Abbvie para comprar o humira. Ao final dos três anos de prorrogação da patente, o prejuízo estimado ao Ministério da Saúde será de R$ 990 milhões, segundo o estudo. 

O humira é o medicamento de maior faturamento no mundo todo, com vendas globais de US$ 19,9 bilhões só em 2018. Para se ter ideia de como o fim da patente impacta seu preço, na Europa, a Abbvie ofereceu descontos de 80% após a chegada dos primeiros similares. Afinal, qual o preço real dessa droga?

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