Com esquizofrenia e epilepsia, agricultor mostra evidências sobre o efeito de agrotóxico em sua saúde
Líder de vendas e de processos
O glifosato, nome do ingrediente ativo do Round Up, é o agrotóxico mais usado no país. Apenas em 2018, foram vendidos 195 mil toneladas, segundo o Ibama.
Existem hoje 123 produtos formulados à base do glifosato. Eles são usados para o controle de mais de 150 plantas infestantes em variados cultivos – de soja e café até feijão, maçã e uva.

Em 2016, a empresa alemã Bayer adquiriu a americana Monsanto pelo valor de US$ 63 bilhões. Desde então, a empresa é a líder mundial no mercado de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.
A gigante do mercado de pesticidas enfrenta uma série de ações contra o glifosato: cerca de 20 mil processos apenas nos Estados Unidos. Em agosto de 2018, foi condenada a pagar US$ 289 milhões ao jardineiro Dewayne Joshson, que enfrenta um linfoma desenvolvido por utilizar o herbicida. Em março do ano, também foi condenada a pagar R$ 80 milhões de indenização ao aposentado Edwin Hardeman, que enfrenta um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema linfático, por ter mantido contato com o Round Up por 20 anos.
No Brasil, são raros oscasos em que um trabalhador que aplica o agrotóxico consegue receber os danos da empresa que o fabricou , conta a pesquisadora Ranielle Caroline de Sousa. Doutora pela Universidade de Brasília, ela fez um extenso levantamento sobre o assunto e encontrou apenas um caso como o de Sebastião, em que o trabalhador ganhou ao responsabilizar a fabricante de agrotóxicos. Mas, no único caso em que a empresa foi condenada sem opção de recorrer, a vítima era o piloto do avião que pulverizava o pesticida.
Ela explica que a maior dificuldade nesses processos é demonstrar o nexo causal. “O caso do Sebastião é importante justamente porque ele conseguiu demonstrar que as doenças e incapacidades que ele desenvolveu foram consequência da relação direta com o Round Up”, afirma.
A Agência Pública e a Repórter Brasil questionaram a Bayer/Monsanto sobre o caso e processo do agricultor Sebastião Bernardo da Silva. A empresa respondeu, por nota, que “a ação transitou em julgado e não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante”.
“As soluções à base de glifosato têm sido utilizadas com segurança e sucesso no Brasil e, globalmente, há mais de 40 anos. Há um robusto número de pesquisas sobre herbicidas à base de glifosato, composto por mais de 800 estudos, e um extenso consenso científico partilhado pelos principais órgãos reguladores em todo o mundo, de que o Glifosato é um produto seguro, sempre que observadas as orientações de bula”, informa o texto.
Cientistas e organizações discordam desse argumento da empresa. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 2015 concluiu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno” para humanos. Outro estudo, agora de 2017, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) mostrou que o uso de glifosato provoca alterações no DNA, resultando em doenças crônicas como diabetes, doenças neurológicas, alzheimer, esclerose lateral amiotrófica (ALS) e doença de Parkinson.
“Quando o Glifosato é considerado provável cancerígeno, temos uma afirmação relacionando ele a doenças crônicas, que passam também por alterações hormonais e produção de um conjunto de efeitos que podem contribuir com essa quantidade de doenças”, conta Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), referindo-se às condições de Sebastião. “Infelizmente, não há programas voltados à saúde do trabalhador que acompanhem o agricultor e façam mensurações dos efeitos a longo prazo dos produtos, o que faria você ter um conjunto de provas”, explica.
Segundo Luiz Cláudio, que já atuou como gerente-geral de toxicidade da Anvisa, quando a ciência aponta que o produto é perigoso para à saúde, o regulador tem que tomar uma atitude da mesma proporção, agir preventivamente, retirando o produto do mercado. “Mas as agências reguladoras, tanto do Brasil, quando da Europa e dos Estados Unidos, são vinculadas ao setor econômico, e chegam a conclusão de que o parecer da OMS dizendo que o produto é cancerígeno não é válido”, explica.