Usina que deu calote trabalhista tenta retomar terra ocupada por ex-funcionários há 20 anos
Desde que ocuparam a fazenda, em 1998, os trabalhadores rurais do MST sofreram vários despejos. O primeiro aconteceu, poucos meses depois, na véspera do Natal de 1998. As moradias de lona e as pequenas lavouras foram rapidamente destruídas pela polícia. No ano seguinte, porém, os agricultores voltaram em maior número e ocuparam uma área mais extensa da antiga fazenda.

Vista aérea da falida Usina Ariadnópolis, cujo dono pede o despejo de 460 famílias de trabalhadores rurais. (Foto: Caio Castor)
“Estamos há 20 anos nessa luta, sofremos vários despejos, mas a gente vem resistindo. Ocupamos em 1998 sabendo que o agronegócio não ia dar mais emprego, porque eles mecanizaram as fazendas”, diz Batista.
‘Depois que a usina faliu, aqui virou uma cidade-fantasma. Eles [sem-terra] chegaram e trouxeram renda, movimentaram a cidade, ajudaram o comércio’, diz um comerciante da cidade
De lá para cá, o grupo cresceu. Hoje cada família tem em média oito de hectares terra, boa parte não usa agrotóxicos nem sementes transgênicas. Dessa transição agroecológica, surgiu o café orgânico Guaií, um dos principais produtos da cooperativa de agricultura familiar. Somando as versões orgânica e comum, a comunidade produz mais de 8 mil sacas por ano. Além das feiras do MST, que representam 40% das vendas, o café Guaií é comercializado no Sul de Minas, em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
A família Souza Moreira
Quem pede o despejo das famílias é o empresário Jovane de Souza Moreira, que tenta reativar a usina falida em um acordo comercial com um dos maiores produtores de café do país. “Faça sol e faça chuva, ele está sempre de terno, bem arrumado. Gosta bastante de uma gravata vermelha”, conta um dos acampados sobre o “adversário” que mora ali ao lado.
Volta e meia a presença do empresário é notada pelo carro com vidros escuros (“cada dia ele vem com veículo diferente”), que corta rapidamente a estrada que liga a cidade à antiga usina – hoje um amontoado de ruínas que pode ser visto de longe. A estrada é palco de conflitos constantes entre a família Souza Moreira e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Há relatos, por exemplo, de episódios em que Jovane teria jogado o carro sobre assentados ou sobre crianças que usavam o transporte escolar.

As 460 famílias produzem frutas, hortaliças e café orgânico em área da empresa falida (Foto: Caio Castor)
Em outro momento, ele teria descido do carro para ameaçar um funcionário da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) que instalava energia elétrica nas casas do assentamento, dizendo que as terras eram suas. Apesar da tentativa de intimidação, cerca de 329 casas receberam a instalação.
O advogado do empresário nega as acusações e diz que a convivência com os assentados é pacífica. “Eu andei na área um dia antes da vistoria do juiz, não senti animosidade, passamos e as pessoas o cumprimentaram”, afirma Cruvinel.
Reservado, um dos poucos lugares que o empresário frequenta quando está em Campo do Meio é a Igreja Congregação Cristã no Brasil. “O Jovane é um sujeito religioso, dá uma cesta-básica para algumas pessoas, faz trabalho voluntário em Alfenas. Ele não tem essa natureza de ir para o embate”, diz o advogado.
‘O Jovane não tem nem arma na casa dele. Aliás, se tivesse esse perfil, certamente essas pessoas já teriam sido alvejadas’, disse o advogado da família
Menos discreto é seu filho, o empresário Jovane de Souza Moreira Junior, conhecido por andar de moto ou de carro na estrada que leva à sede da fazenda. Ele foi um dos coordenadores da campanha do deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PSL), o mais votado nas eleições deste ano em Minas Gerais.
Eu seu perfil no Facebook, o empresário tem várias postagens em apoio ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e contrárias ao PT. “Precisamos que a PM cumpra a ordem judicial que diz que os invasores do MST tem (sic) até dia 14/11/18 para a saída pacífica, e a partir do dia 15/11/18 será usada a força policial para o cumprimento fiel da lei e da ordem”, publicou em sua página na semana passada.