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Pesquisadora vira alvo de perseguições após comprovar que não existe dose segura de agrotóxicos

Alguns outros colegas que eu conheço que trabalham com agrotóxicos me relataram que eles também têm sido perseguidos por conta dos agrotóxicos. Eu não sabia, até então, que existia todo um mundo de perseguição contra pessoas que estudam os agrotóxicos. 

Para você ter uma ideia, eu tinha sido convidada para ir a um evento sobre zebrafish na Fiocruz do Rio de Janeiro. Agora, duas semanas atrás, eu recebo um email da Fiocruz dizendo que, em função da grande demanda para o meu curso, ele foi cancelado. Mas isso não faz sentido nenhum porque, quando tem muita demanda, você não cancela um curso; pelo contrário, você só cancela quando não tem demanda. Cancelaram então a minha ida, mas o evento vai acontecer sem mim. Você acha coincidência? Eu sou a única que sou desconvidada, o resto do evento continua, só eu que não posso participar.

Você se sente perseguida?

Eu fico buscando um outro adjetivo para perseguição, mas não tenho encontrado. Eu acho que o que estão fazendo comigo é um assédio moral. Eu nunca pensei em precisar contratar um advogado por conta de algo que eu considero desnecessário. Eu sempre tive uma boa relação com o Instituto Butantan. Mas chegamos a um ponto que eu estou apanhando, e dói. Eu acho que eu não fiz nada para riscar ou manchar uma instituição pela qual eu sempre trabalhei. 

Tem sido difícil levantar para trabalhar, eu ainda não tenho a alegria que eu tinha antes. Nunca imaginei passar por um momento desse, nos 30 anos que eu dediquei a essa instituição. Eu cheguei como estagiária e eu fiquei porque eu me apaixonei pelo Butantan. Entende por que é dolorido? 

Eu sou de Alagoas e mudei minha vida para vir para cá porque encontrei esse celeiro de ciência, me encontrei aqui no Butantan e agora ver essas atitudes por parte da direção me dói demais. O que me entristece é eu não ter a alegria de estar aqui. Porque esse é meu ofício, é isso que eu gosto. Então agora eu vivo uma luta constante. Eu fico com a esperança de que isso vai passar. Mas eu não sei quando. Diante de todas essas coisas que estavam acontecendo, eu tive que contratar um advogado. Eu não estou tendo espaço para falar e me defender. 

Desde 2015 eu dou um curso vinculado ao setor de cursos do Instituto Butantan para qualquer pessoa de nível de graduação para cima que querem trabalhar com o zebrafish, com aulas teóricas e práticas. Eu abro 30 vagas e eu recebo em torno de 100 inscrições todo ano. No total, já recebi 150 profissionais do Brasil inteiro para participar. O certificado de participação e a divulgação do curso saem pelo Instituto Butantan.

Não podemos deixar ser amedrontados. Quando entendermos que juntos nós, cientistas, somos mais fortes, aí a coisa vai mudar.

Nesse ano, eu fiz da mesma forma, como eu sempre faço. Três dias depois que inicio esse processo eu recebo um telefonema dizendo que o curso não poderia ser vinculado ao Instituto Butantan. É coincidência? Depois de tudo que aconteceu, eu não acredito mais em coincidências. 

Esse ano veio uma normativa de que de agora em diante cursos precisam passar pelo Comitê de Ética Animal.

Eu me pergunto: para que tudo isso? Isso me deixa perplexa e me entristece. 

Existe uma perseguição contra cientistas em curso?

Algumas pessoas têm colocado para mim que eles também têm sido alvos de algumas perseguições no trabalho. Como, por exemplo, são desconvidados de dar palestras. Eu acho que existe uma vontade de anular a ciência. Eu venho acompanhando, por exemplo, que o ministro Osmar Terra questionou o próprio dado da Fiocruz sobre drogas; outro ministro questionou os dados do Inpe sobre desmatamento. Tem o ministro da Educação, que fez essa confusão inteira com cortes de verba na educação. Depois vem a Tereza Cristina e questiona os meus dados. O que é isso? É anular a ciência. Nós estamos vivendo um dos momentos mais difíceis, eu acho. Querem desacreditar o que é a ciência. Isso é impossível porque não tem como desacreditar a ciência. Mas é melhor para muitos ter um país ignorante.

Eu acho que o que nós não podemos é nos calar. Temos que entender que nós somos uma força. Não podemos deixar ser amedrontados. Quando entendermos que juntos nós, cientistas, somos mais fortes, aí a coisa vai mudar. Então acho que o que precisamos é isso. A gente precisa falar, ter voz, e não se esconder. Temos que tirar esse medo. 

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