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Para alimentar salmão norueguês, soja brasileira desmata e explora trabalho escravo

Principal produtora mundial de salmão, a Noruega compra do Brasil maior parte da matéria-prima usada para alimentar seus cardumes. Todos os meses, milhares de toneladas de proteína de soja concentrada saem dos portos brasileiros e cruzam dez mil quilômetros do oceano Atlântico rumo aos tanques de peixes do país nórdico. O problema é que essa cadeia de negócios da soja brasileira está marcada por crimes ambientais e trabalhistas.

Pelo menos três indústrias brasileiras que se destacam como as principais exportadoras de soja para a Noruega – Caramuru, Imcopa e Selecta – têm, entre seus fornecedores, fazendeiros que foram flagrados com trabalho escravo, desmatamento ilegal e conflitos de terra. Os crimes foram descobertos a partir de uma investigação realizada pela Repórter Brasil em parceria com as ONGs norueguesas Future In Our Hands e Rainforest Foundation.

Plantação de soja por entre regiões de mata nativa; empresas que exportam para a Noruega compram o grão de fazendeiros que já cometeram crimes ambientais. (Foto: Pedro Biondi)

Um dos problemas encontrados é a presença de fornecedores produzindo em áreas embargadas pelo Ibama por crimes ambientais. “Vemos pela primeira vez que a aquicultura norueguesa usa soja que pode estar ligada ao desmatamento”, ressaltou o gerente geral da Rainforest Foundation, Øyvind Eggen, em reportagem sobre a pesquisa publicada pelo jornal  norueguês Dagbladet.

A investigação também identificou um caso de trabalho escravo em um fornecedor da C.Vale, cooperativa produtora de soja que vende para Imcopa, que por sua vez produz proteína de soja concentrada para a indústria de salmão na Noruega.

Em 2012, nove trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão na Fazenda Alto da Mata, de propriedade de Luiz Bononi e localizada em São José do Rio Claro, em Mato Grosso. Bononi forneceu soja à cooperativa C.Vale inclusive no período em que esteve na “lista suja” do trabalho escravo – documento do Ministério do Trabalho que lista os produtores flagrados com o crime. A lista é usada como referência por diversas empresas comprometidas em restringir relações comerciais com empregadores flagrados usando mão-de-obra escrava.

O fazendeiro Bononi não foi localizado pela reportagem.

Outro problema da C.Vale, segundo a investigação, é que ela estaria envolvida em casos de produção do grão em terras Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Segundo indígenas ouvidos pela Repórter Brasil, na Terra Indígena Panambizinho, o cultivo do grão acontece por meio de arrendamentos de terra para pessoas de fora da comunidade – arranjo considerado ilegal pelo Ministério Público Federal. O indígena e ativista de direitos humanos Anastácio Peralta, morador de Panambizinho, diz que o cultivo do grão é o maior problema atual da comunidade. Peralta afirma que a soja se tornou o principal cultivo das terras de Panambizinho, e que apenas três ou quatro famílias priorizam o plantio de itens alimentares.

A aplicação de agrotóxicos nas lavouras locais, diz ele, já afeta a qualidade do meio ambiente, inclusive prejudicando o plantio das roças orgânicas tradicionais. Para o indígena, a situação afeta a soberania alimentar na comunidade e incentiva o sedentarismo. “Antes o pessoal plantava, tinha sua rocinha, sua alimentação mais saudável. Hoje, a maioria só arrenda, não cultiva junto.” O plantio destinado à C.Vale também se daria em fazendas reivindicadas como parte da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I.

“Antes o pessoal plantava, tinha sua rocinha, sua alimentação saudável. Hoje, a maioria só arrenda”, afirma o indígena e ativista de direitos humanos Anastácio Peralta, sobre os impactos do cultivo da soja nas comunidades Guarani e Kaiowá. (Foto: Pedro Biondi)

Sobre o caso do flagrante de trabalho escravo, a C.Vale afirmou que “legalmente não cabe à cooperativa fiscalizar terceiros sobre o cumprimento da legislação em vigor” e que “orienta e oferece treinamento aos associados sobre as legislações que envolvem a produção de grãos, entre as quais questões ambientais, trabalhistas e de segurança no trabalho”. A Repórter Brasil também enviou perguntas à Imcopa sobre seu relacionamento comercial com a cooperativa e sobre os problemas identificados. A indústria, no entanto, não respondeu.