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Multinacional é condenada por morte de trabalhador contaminado por agrotóxicos

Dificilmente a família de um trabalhador rural consegue mobilizar tantos esforços. O levantamento só foi possível porque, além de ser internado em um hospital universitário, Vanderlei passou a ser monitorado pelo núcleo Tramas, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará que se dedica a estudar os impactos dos agrotóxicos na região. O núcleo foi criado dois anos antes da morte de Vanderlei, em 2006.

Quando ele adoeceu, havia uma equipe pesquisando justamente a contaminação dos trabalhadores no cultivo do abacaxi na região. A pesquisa colheu exames de funcionários das grandes empresas e visitou as instalações da Del Monte. Do total de pesquisados, 48% apresentaram alterações hepáticas. Ou seja, quase a metade dos exames de sangue dos trabalhadores indicaram alguma anormalidade para as funções do fígado.

Moradores das comunidades rurais esperam caminhão pipa com água de poços profundos das empresas, água que sai da torneira não é segura. Foto: Lunaé Parracho/ Repórter Brasil

Desde então, foram vários os estudos que apontaram para a contaminação dos trabalhadores do local, assim como do ar e das águas que abastecem a região. Em 2009, o órgão estadual de gestão de recursos hídricos encontrou agrotóxicos em 60% das amostras. No ano seguinte, pesquisa da universidade federal encontrou químicos em 100% das amostras colhidas, cada uma delas com de 3 a 10 ingredientes ativos diferentes.

Hoje, quem pode, compra água mineral. Não só nas comunidades rurais que rodeiam as plantações, mas também na cidade de Limoeiro do Norte. “Não tome água na casa das pessoas”, foi uma das tristes recomendações que ouvimos ao visitar o local.

Placas alertam para a contaminação da água que fica na reserva que abastece as comunidades rurais. Foto: Lunaé Parracho/ Repórter Brasil

Como muitos, Gerlene conhece os riscos de beber da torneira – ela tem apenas um filtro em casa, mas que não dá conta dos agrotóxicos. A viúva não pode comprar água mineral todos os dias. “É colocar na mão de Deus e beber a água que tem, que a gente não vai morrer de sede. Nem de fome”, ela diz, lembrando que gostaria de poder comprar alimentos sem agrotóxicos para o seu filho.

Devido aos anos em que conviveu com o marido, Gerlene desenvolveu uma rara consciência crítica sobre os riscos dos alimentos “mais perfeitos”. Como todos os funcionários da empresa, as vezes Vanderlei ganhava as frutas cultivadas ali. Levava para casa, mas não deixava a esposa comer, muito menos o filho de um ano. Preferia que a fruta fosse jogada fora. “Só eu sei o que tem aí dentro”, lembra a viúva sobre a resposta do marido quando ela questionava porque desperdiçar um abacaxi tão bonito. “Era grande, bem grande mesmo”, ela ressalta, braços estendidos para desenhar o tamanho da fruta.

Por isso, hoje a viúva prefere escolher as menores frutas no mercado – sob protestos do filho. Ela não pode investir na compra de produtos orgânicos. Embora tenha ganhado o caso na justiça, Gerlene ainda não recebeu a indenização da Del Monte.

A água que abastece as comunidades vem por canais que passam dentro das fazendas, onde ocorre a contaminação por agrotóxicos. Foto: Lunaé Parracho/ Repórter Brasil

Do sertão para o mundo

Cravada no sertão do Ceará, a Chapada do Apodi tem solo generoso em nutrientes. A riqueza local, somada a um farto programa de isenções fiscais e à construção de um canal de irrigação, foram os fatores que atraíram grandes exportadoras ao local, entre elas a norte-americana Del Monte.

É muito provável que as frutas plantadas no local já tenham passado pela sua mesa, pois são enviadas para mercados de diversas cidades do país. As maiores e mais perfeitas vão para a Europa e Estados Unidos.

As frutas cultivadas na Chapada do Apodi são vendidas em cidades de todo o Brasil, provavelmente já passaram pela sua mesa. Foto: Lunae Parracho/ Repórter Brasil

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