Em decisão inédita, indígenas vítimas de ‘chuva de agrotóxico’ recebem R$ 150 mil de indenização
O produto aplicado sobre a comunidade é o fungicida Nativo, da Bayer, composto pelos ingredientes ativos Tebuconazole e Trifloxistrobina. Ele é classificado pela Anvisa como Medianamente Tóxico e pelo Ibama como Muito Perigoso ao Meio Ambiente.
Em 2012, um estudo da Universidade Federal de Viçosa com o Tebuconazole constatou os efeitos do pesticida em morcegos: alterações metabólicas e hepáticas. Após serem expostos ao pesticida por sete dias, os pesquisadores constataram problemas no fígado, músculo peitoral, rins, intestino e testículos dos morcegos.
Naldo conta que agora tudo que a comunidade quer é ficar em paz nas terras que estão. “Até agora tá tranquilo. Estamos bem, plantando e cuidando daqui. Já temos plantação de mandioca, milho, feijão, amendoim, batata doce e abóbora. Tá ficando bom”.
Réus culparam as vítimas
Segundo os acusados, os indígenas teriam se afastado da aldeia, a mais de 500 metros da área de aplicação, para adentrar a lavoura de milho bem na hora da aplicação, o que teria resultado na intoxicação. O MPF contestou a versão dos réus, e por meio de laudos provou que as vítimas não estavam de passagem pelo local onde a aplicação ocorreu. “Havia barracos próximos à plantação que provava que eles viviam lá”, relata o procurador.
O MPF pediu indenização de R$ 50 mil por dano moral coletivo e pagamento de mais R$ 170 mil por dano material, para o acompanhamento semestral da saúde de todos os membros da comunidade indígena, e o monitoramento mensal da qualidade do solo e da água utilizada pela comunidade, durante o período de 10 anos.

Porém, a Justiça não acatou o pedido de dano moral, por entender que não foi delimitada a extensão dos danos relacionados à saúde, pois não foram feitos exames na época.
O magistrado condenou os réus apenas por dano moral coletivo “resultante de ofensa à coletividade indígena consubstanciada na exposição, de parcela de seu grupo, à substância imprópria à saúde humana”.
“A dignidade humana é por excelência o bem jurídico supremo. E, para sua proteção, impõe-se o dever jurídico de todos e do próprio Estado em respeitar a dignidade do próximo, seja o próximo um negro, um branco, um índio ou pertencente a qualquer outra raça ou etnia”, diz a decisão, que definiu a indenização no valor de R$ 150 mil.
O procurador conta que, em casos como esse, não é preciso provar que as vítimas foram intoxicadas ou o que elas sofreram. É classificado como crime apenas por ter ocorrido a pulverização. “Não é necessário indício de contaminação. A partir do momento em que a pessoa passa por cima de uma comunidade é crime. Toda e qualquer falha administrativa no processo é caracterizada como crime. A pessoa pulverizou fora das especificações legais, é crime”, explica.
Decisão inédita
O triunfo dos indígenas da comunidade Tey Jusu ocorre em um cenário de diversas vitórias dos agricultores do Mato Grosso do Sul. Um caso recente e semelhante de pulverização irregular de agrotóxicos ocorreu com os guarani kaiowá comunidade indígena de Guyra Kambi’y, em Dourados (MS). Mesmo com um vídeo gravado que mostra o avião jogando pesticida próximo à comunidade, a Justiça considerou a acusação improcedente.
Em outro caso, o acusado confessou durante a audiência em 2018 ter pulverizado agrotóxico em cima de índios guarani kaiowá no município de Dourados. Mas acabou absolvido devido a um relatório do Ministério da Agricultura, que apontava que não teria indícios de contaminação.
“O mesmo Ministério que tem como um dos princípios institucionais a promoção do agronegócio é quem faz a fiscalização dos agrotóxicos. Há um claro confronto de interesses, o que faz com que a fiscalização seja extremamente limitada em relação aos agrotóxicos”, afirma o procurador.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de agrotóxicos. Clique para ler a cobertura completa no site do projeto.