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Dedos amputados e atraso no aprendizado: o drama de bebês criados em oficinas de costura

Na cidade de São Paulo, o setor têxtil é um dos campeões em trabalho escravo contemporâneo: 320 trabalhadores resgatados por auditores-fiscais em 9 anos (Foto: Al Jazeera e Repórter Brasil)

“Um dos maiores choques para meus pais quando chegaram em São Paulo nos anos 1990 foram as horas exaustivas que o trabalho exigia. E, em uma dessas jornadas exageradas, aconteceu o acidente com o meu dedinho”, conta a brasileira, cujos traços andinos revelam sua ascendência boliviana. Ela conta ainda que o dono da oficina não permitia que a mãe saísse a todo o momento para olhar como ela estava – exatamente como o cotidiano atual das famílias, relatado pela equipe do CAPS.

“Um dos maiores choques para meus pais quando chegaram a São Paulo nos anos 1990 foram as horas exaustivas. E, em uma dessas jornadas exageradas, aconteceu o acidente com o meu dedinho”, afirma Grécia Delgado Kama

Pouco tempo depois do acidente com Kama, sua família conseguiu juntar dinheiro para abrir sua própria oficina e fugir das relações exploratórias de trabalho. Uma realidade que, como ela própria define, não é a da maioria das famílias bolivianas em São Paulo.

Hoje, ela trabalha como multiplicadora de base no Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI), onde realiza visitas a oficinas para conscientizar as famílias sobre seus direitos e alertá-las sobre os riscos para crianças e adolescentes, que representam cerca de 11% dos 44 mil imigrantes bolivianos que estabeleceram residência no Brasil por pelo menos um ano entre 2010 e 2017, segundo o Relatório Anual de Imigração e Refúgio no Brasil

Números subnotificados 

Os números de acidentes infantis reportados na confecção de roupa são inferiores à realidade, segundo a chefe da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, a procuradora Lys Sobral Cardoso. 

Entre 2012 e 2018, houve pelo menos 295 acidentes de trabalho com crianças e adolescentes em confecções de roupas no país (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

“A subnotificação é ainda mais grave nas oficinas de costura devido à questão migratória e à pouca documentação desses trabalhadores”, explica. O número de imigrantes com carteira assinada é baixo, segundo dados do Relatório Anual de Imigração e Refúgio no Brasil. Enquanto mais de 40 mil bolivianos ingressaram no país entre 2010 e 2017, apenas 16 mil carteiras de trabalho foram emitidas para eles no mesmo período. Em 2017, somente 5.479 trabalhavam com carteira assinada — sendo as mulheres bolivianas 35% desse contingente.

A auditora-fiscal do trabalho Lívia Ferreira avalia que o cenário de violações trabalhistas na cadeia produtiva das confecções no município de São Paulo mudou ao longo dos dez anos do Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes. Durante a última década, o problema se tornou mais discutido e alvo de atenção pelas empresas. 

No entanto, Ferreira destaca que algumas das medidas tomadas maquiam o problema ao invés de resolvê-lo. Ela se refere a casos de auditorias privadas em empresas que verificam carteira de trabalho e recolhimento do FGTS, mas deixam passar outros requisitos igualmente importantes. 

“Somente a carteira assinada não garante que não teremos violações. Sabemos que, por debaixo do vínculo de trabalho, pode haver desconto do FGTS do salário do trabalhador e mesmo a servidão por dívidas”, explica.

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Fonte: Reporter Brasil

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