Coronavírus: remédios devem ficar mais caros mesmo após Bolsonaro adiar reajuste
Outro motivo para a redução da importação são as dificuldades logísticas para despachar os produtos, afirma Nelson Mussolini, presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma). “O maior problema é a paralisação dos voos de passageiros, que são usados para o transporte de cargas”. A disparada de 30% na cotação do dólar em 2020 também vem pressionando os custos das empresas.
Nas últimas semanas, representantes da indústria têm participado de diversas reuniões em Brasília para buscar soluções. Eles já convenceram a Anvisa, por exemplo, a facilitar a substituição de fornecedores de matéria-prima – uma liberação como essa costuma demorar de um a dois anos, mas tem sido autorizada em alguns dias. Também conseguiram zerar a tarifa de importação de itens relacionados à covid-19.
Com estoques disponíveis até maio ou junho, dependendo da empresa, a indústria nacional busca novos fornecedores na Europa e nos Estados Unidos, onde os ingredientes farmacêuticos são mais caros. A alta demanda e a baixa oferta ditam as negociações da Ásia ao Ocidente. “Leva quem pagar mais”, diz um representante do setor.
Nesse cenário, o Brasil tem comprado menos. Em fevereiro deste ano, o volume total de remédios e produtos farmacêuticos importados caiu 30% na comparação com janeiro, puxado pela redução de 40% dos negócios com a China, segundo dados do Ministério da Economia. O país asiático parou em fevereiro e ainda enfrenta dificuldades para retomar as atividades econômicas.
“A China produz mais da metade dos insumos farmacêuticos do mundo. Se tiver um agravamento da crise internacional, haverá risco na produção de medicamentos não apenas no Brasil, mas também na Europa e nos Estados Unidos”, afirma Paulo Henrique de Almeida Rodrigues, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ.
Na farmacêutica Blanver, por exemplo, que produz remédios para o programa de HIV do Ministério da Saúde, fornecedores asiáticos foram substituídos por europeus para manter o ritmo de produção na fábrica de Taboão da Serra, na Grande São Paulo. “O que vem da Europa custa mais. Mas é melhor faltar medicamentos ou ter eles mais caros? Não podemos ter tudo neste momento”, diz Sérgio Frangioni, presidente da empresa.
O alerta acendeu também em Farmanguinhos, laboratório público da Fiocruz vinculado ao Ministério da Saúde, que fabrica desde remédios para hipertensão, diabetes e HIV a medicamentos de alto custo. “Ainda temos insumos disponíveis. Contudo, estamos em tratativas para manter o fluxo de entregas com nossos diversos fornecedores mundo afora. E já começaram a aparecer muitas dificuldades para os próximos embarques, em especial da China e da Índia, que já deveriam estar sendo feitos”, afirma Jorge Mendonça, diretor do laboratório.
No ano passado, o Brasil importou 71,5 mil toneladas de remédios e produtos farmacêuticos, sendo 19,4 mil toneladas (27%) da China, e 5,4 mil toneladas (7,5%) da Índia. A maior parte dos produtos asiáticos refere-se a Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), que é a matéria-prima dos medicamentos.

Nos EUA, que também dependem de fornecedores asiáticos, o governo anunciou que a pandemia reduziu o estoque de um medicamento, mas não citou qual. Um estudo da Universidade de Minnesota aponta grandes chances de o país registrar “escassez de medicamentos críticos”. Os pesquisadores citam antibióticos, salbutamol (asma) e epinefrina (adrenalina) na lista de preocupações e pedem aos fabricantes para revelar seus estoques.
No Brasil, o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta disse esta semana que “em 30, 40 ou 60 dias pode haver falta de medicamentos para diabetes e pressão no Brasil”, porque “o mundo está procurando outros fornecedores, mas isso tem um tempo para acontecer”.
A Anvisa afirma que não há registro de desabastecimento no país e que convocou as empresas a informarem seus níveis de estoque tanto de medicamentos em geral como dos produtos relacionados ao combate da covid-19. “Por meio da análise dos dados fornecidos, a Anvisa analisa possíveis situações de desabastecimento, podendo agir em antecedência a elas”, diz a agência, em nota enviada à Repórter Brasil.
“ A pandemia mostra que depender de um único centro produtivo é um risco muito grande, principalmente em produtos de alta complexidade. Vamos aprender com essa crise que o barato pode sair caro”, diz Sérgio Frangioni, presidente da Blanver e da Abifina