Coronavírus: remédios devem ficar mais caros mesmo após Bolsonaro adiar reajuste
Apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter postergado por 60 dias o reajuste dos medicamentos no Brasil, a pandemia global do novo coronavírus já está encarecendo a fabricação de remédios no país, segundo empresários do setor ouvidos pela Repórter Brasil. E o custo extra deve ser repassado a distribuidoras, farmácias e consumidores antes do tempo previsto pelo presidente.
A decisão de Bolsonaro é classificada como “ineficaz” pela advogada Ana Navarrete, especialista em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “O reajuste não incide diretamente sobre os preços dos medicamentos, mas sim sobre o teto de preços. Como esse teto é muito elevado, na prática ele não limita os preços desses produtos. É uma medida cosmética”, diz.
O preço máximo de remédios no Brasil é definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), do Ministério da Saúde, com reajustes anuais em abril. Mesmo com o adiamento do aumento neste ano, as fabricantes já possuem margem para subir os preços dentro do atual limite legal. É por isso que o medicamento referência contra a hepatite C é comercializado no país por valores entre R$ 65 e R$ 957.
“Indústrias, distribuidoras e farmácias permanecem livres para aumentar o preço de um medicamento e ainda estar dentro do teto. E já estamos percebendo elevação dos valores”, diz Navarrete. Na quarta-feira (1º), o Procon-SP notificou oito farmacêuticas por “significativa alteração nos valores” de medicamentos usados no tratamento da covid-19.
O anúncio de Bolsonaro recebeu críticas também nos bastidores de associações farmacêuticas que ficaram de fora das negociações. Segundo o presidente, a decisão foi tomada “em comum acordo com a indústria farmacêutica”. Porém, a reunião no Ministério da Saúde contou somente com representantes da indústria estrangeira (Interfarma), da associação de farmácias (Abrafarma) e da Alanac – entidade com 53 associadas, que representa grandes produtoras de genéricos. Abifina, Pró-Genéricos, Grupo Farma Brasil e Sindusfarma, que reúnem as maiores empresas, ficaram de fora. Procurada pela Repórter Brasil, a Anvisa não comentou.

As empresas do setor estão divididas quanto ao reajuste. Não se sabe, por exemplo, se o impacto econômico da crise nos próximos dois meses será calculado no reajuste adiado para junho. De acordo com a lei, o índice de abril é o que deve valer em junho. Mas, segundo a Anvisa, “os percentuais ainda não estão definidos”.
Para a economista Julia Paranhos, da UFRJ, é “positivo” adiar o reajuste, mas a indefinição sobre o índice e a falta de detalhes sobre a decisão “criam insegurança sobre o que vai acontecer depois”. “O aumento do custo de produção, a redução dos estoques nacionais, o efeito do câmbio e os demais problemas causados pela pandemia podem gerar um efeito maior no reajuste de preços até junho do que agora em abril”, diz. A redução dos descontos das drogarias e uma eventual correria da população atrás de medicamentos também podem gerar efeito sobre os preços. Na semana passada, o senador Randolfe Rodrigues apresentou um projeto de lei para congelar o preço dos medicamentos durante a pandemia.
Custo de produção
As fabricantes nacionais de remédios avaliam subir o preço dos produtos em razão de gastos extras na produção provocados pela pandemia. O maior entrave é a dificuldade de importar produtos da China e da Índia, que fornecem para a indústria nacional a maior parte da matéria-prima usada na fabricação.
O Brasil importa atualmente 90% desses ingredientes básicos, principalmente dos gigantes asiáticos. Com a suspensão de voos, o isolamento social e a redução da atividade econômica nos dois países, a importação desses produtos está comprometida. Há empresas brasileiras que já pagaram pelos insumos, mas os lotes não foram enviados.
Na semana passada, a Índia proibiu a venda de insumos para cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina, medicamentos em teste contra a covid-19. Ao menos 31 toneladas de insumos que deveriam chegar ao Brasil para a fabricação de 23 medicamentos estão travadas no país asiático, segundo o jornal O Globo.