Coronavírus: construção civil não suspende obras e entidades questionam segurança dos trabalhadores
Em meio ao esvaziamento de lojas e do comércio gerado pela pandemia da covid-19 em todo o país, canteiros de obras continuam a funcionar com poucos entraves. Com aproximadamente dois milhões de trabalhadores com carteira assinada, a construção civil teve somente interrupções pontuais em suas atividades.
Os governos dos três maiores estados do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, não estabeleceram restrições para o funcionamento dos canteiros até agora. Somente estados menos expressivos para o setor, como Pernambuco e Goiás, chegaram a determinar a paralisação das atividades. Procurados, nenhum dos estados quis se manifestar.

Mesmo com medidas que busquem diminuir os riscos, como máscaras e o uso de álcool em gel, não há como garantir a saúde dos trabalhadores, segundo o auditor-fiscal do trabalho Luiz Alfredo Scienza. “O canteiro de obras não é um ambiente seguro. A construção concentra a maior parte dos trabalhadores em determinadas atividades, eles ficam juntos, próximos. Como é possível garantir a integridade desse trabalhador diante da forma como esse vírus se propaga?” diz. Segundo Scienza, o fato de o vírus ser altamente contagioso, mesmo em indivíduos sem sintomas, faz o seu controle ser extremamente difícil nesse ambiente de trabalho.
Empresários do setor, porém, argumentam que é possível manter os canteiros em funcionamento. “Segurança do trabalho virou algo que o construtor dá muito valor. Introduzir as exigências que a pandemia trouxe foi fácil para o setor”, diz Odair Senra, presidente do Sinduscon-SP, entidade que reúne as construtoras no estado de São Paulo.
Atividade essencial?
O argumento principal utilizado pelas entidades patronais e pelos governadores para manter a construção civil em funcionamento é o de que ela seria uma atividade essencial. Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria determinou que a construção civil está no mesmo patamar de atividades como segurança e serviços de saúde. Ao fazer o anúncio das atividades excluídas da quarentena no estado, Doria afirmou que o funcionamento das indústrias, incluindo a da construção civil, era possível pela inexistência de um atendimento ao público.
O procurador do trabalho Tiago Cavalcanti alega que “não existe nenhum fundamento minimamente razoável para que as indústrias, o que inclui a construção civil, estejam previstas como atividades essenciais”. Cavalcanti questiona a decisão do governo de Alagoas que, como o governador de São Paulo, considerou a construção civil uma atividade essencial. Segundo o procurador, manter os trabalhadores de canteiros de obras em atividade é inconstitucional por “violar o dispositivo constitucional que garante a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde e segurança do trabalho.” Além disso, para ele, não suspender as construções prejudica outras medidas tomadas no restante da sociedade para prevenir a propagação do vírus. O governo de Alagoas não respondeu aos pedidos de esclarecimento.
Scienza concorda que não há motivos para considerar a construção civil como uma atividade essencial. “Praticamente todas as etapas das obras, inclusive a concretagem, podem ficar paradas sem problemas. Não se pode sequer alegar prejuízo econômico.”, argumenta o auditor-fiscal.
Acordos para diminuir riscos
Diante do funcionamento das obras, sindicatos de trabalhadores têm feito acordos com as entidades empresariais buscando diminuir os riscos nos canteiros. “O governador João Doria não suspendeu o trabalho nas obras, e não teve diálogo nenhum conosco sobre isso. Aí o que nos sobrou para fazer? Fazer pressão sobre as empresas, para que o pessoal possa ao menos trabalhar com alguma segurança”, diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo, Antonio de Sousa Ramalho.
O sindicato dos trabalhadores fez um acordo para diminuir os riscos nos canteiros junto ao Sinduscon-SP, entidade que reúne as empresas de construção civil no estado. O acordo com o sindicato patronal prevê uma série de medidas de higienização e mudanças nas rotinas das obras. No canteiro, os trabalhadores devem ter a temperatura medida logo em sua entrada para verificar casos de febre. As obras devem ter álcool em gel e equipamentos de proteção como máscaras disponíveis, e além disso os trabalhadores devem ser separados durante as refeições para diminuir o risco de contágio. Já as jornadas de trabalho foram flexibilizadas para que os trabalhadores não peguem transporte público em horários de pico.