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Com participação social, leis têm mais chances de serem cumpridas, diz pesquisadora

Mestre e doutora em Ciência Política pela USP e professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Luciana Gross Cunha integrou o Conselho da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no período 2011-2015. Atualmente realiza pesquisas sobre confiança nas instituições, administração e acesso à Justiça, e percepção sobre o respeito às regras.

Em entrevista à Agência Senado, a pesquisadora fala sobre as descobertas de um estudo que realizou em parceria com a cientista social Fabiana Luci de Oliveira, da Universidade de São Carlos (SP). Por meio do Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCLBrasil), concebido em 2014 e atualizado em 2015 e 2017, as duas têm medido, entre outros aspectos, a obediência dos brasileiros às leis e normas. Uma das conclusões é a de que o controle social sobre as ações individuais pode em muitos casos ser mais relevante do que a força da autoridade constituída.

De modo geral, a população se interessa pelas leis que são discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional?

De modo geral, não. O que temos são interesses específicos de acordo com o impacto que as leis produzem no dia a dia.

Por que, em sua opinião, alguns cidadãos ainda resistem em obedecer às leis? Temos como exemplo a Lei Seca que, apesar de ter penas cada vez mais endurecidas, continua sendo desrespeitada.

O que a pesquisa mostra é que, muito mais do que a existência da possibilidade de condenação e aplicação de penas duras, o comportamento das pessoas é fortemente orientado pelo grau de aprovação ou reprovação do seu grupo social a determinada conduta. Assim, mesmo estando previstas na legislação penas duras, a desobediência à Lei Seca tem sido cada vez menos reprovada pela população. A isso damos o nome de controle social. Na nossa sociedade, o controle social influencia muito mais o comportamento das pessoas do que a existência de condenação e a aplicação de penas duras.

Na sua opinião, as leis cumprem seu papel de direcionar a conduta dos cidadãos?

As leis podem cumprir esse papel desde que elas tenham um respaldo ou representem em algum grau o controle social que os grupos sociais exercem e ao qual se submetem na sociedade. Por isso, é importante verificar durante a propositura e a tramitação, o comportamento da população em relação àquele tema, discutir, esclarecer e divulgar o que está sendo proposto, para que aí, sim, o direito, como um todo, possa ter maior eficácia na organização do comportamento dos cidadãos.

A população confia nas autoridades diretamente ligadas ao cumprimento das leis?

A confiança varia dependendo da autoridade, mas, de forma geral, os responsáveis carecem de confiança da população. Ainda assim, o que a pesquisa mostra é que juízes têm maior confiança do que a polícia, por exemplo.

Qual é o estudo mais recente sobre a temática da relação do brasileiro com a lei?

O mais recente [a cargo da pesquisadora] se refere ao 1º semestre de 2017.

O que é e quem elabora o Índice de Percepção do Cumprimento da Lei (IPCLBrasil)?

O índice tem como objetivo medir, de forma sistemática, a percepção dos brasileiros em relação ao respeito às leis e a algumas autoridades que estão diretamente envolvidas com o cumprimento delas. Os dados do IPCLBrasil foram coletados por meio da aplicação de um survey [questionário] com uma amostra da população das regiões metropolitanas de oito unidades federativas (UF) brasileiras: Amazonas, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

O que mais chama a atenção no tema da obediência?

Tem dois pontos: o primeiro é que, para 75% dos entrevistados, se o juiz decide que uma pessoa pague a outra uma quantia, ela tem a obrigação de cumprir essa decisão, mesmo discordando dela. E esse número cai para 56%  quando se trata do pedido de um policial. Quanto a esse ponto, temos uma diferença importante na percepção sobre o papel que esses dois representantes do Estado cumprem no nosso país. É preciso refletir sobre isso.

O segundo ponto diz respeito ao total de entrevistados que concordam com a afirmação de que é fácil desobedecer às leis do país. De acordo com a pesquisa, 76% deles disseram que concordam com essa afirmação.

A seu ver, algo precisa ser aperfeiçoado, revisto, mudado no ordenamento jurídico nacional? O quê? E como?

De maneira ampla, no que diz respeito à forma, o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de em algumas áreas possuir diversas “zonas cinzentas” — com baixa inteligibilidade para o cidadão comum — é um conjunto de regras que correspondem às exigências do Estado democrático de direito. O grande desafio é a realidade dessas normas no dia a dia da população, que não se sente parte do Estado […]. Nesse sentido, precisamos identificar e utilizar instrumentos que possam incluir essa população, que não tem os seus direitos garantidos pelo Estado, na sociedade e no sistema de direitos civis, políticos e sociais. Além disso, é preciso que o Congresso Nacional e as demais casas legislativas dos estados e municípios se aproximem da população fazendo com que haja maior participação na tramitação das leis, por meio de audiências públicas, por exemplo, mas também por meio de investigações sobre as necessidades e anseios da população, transparência na condução dos trabalhos, divulgação e monitoramento dos efeitos que o ordenamento jurídico produz na vida em sociedade.


Fonte: Senado Noticias Gerais