Central Notícias

‘Bolsonaro representa a maior ameaça ao planeta’, diz Sônia Guajajara

“Estou com raiva dele até agora”. Poucas horas depois de ter escutado, em Nova York, o discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, a liderança indígena Sônia Guajajara externou suas emoções, apesar da voz calma e da fala pausada. “Raiva por tudo que está acontecendo aqui hoje [24]”, tentou sintetizar Guajajara, que é coordenadora-executiva da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e disputou a presidência no ano passado como vice de Guilherme Boulos (PSOL-SP).

Sônia Guajajara, em Nova York, considera discurso de Bolsonaro ‘aterrorizante’ e ‘ditatorial’ (Foto: Divulgação)

Foram muitos os pontos do discurso de Bolsonaro que incomodaram uma das mais famosas representantes do movimento indígena brasileiro. Entre eles, a comparação de indígenas a “homens da caverna”, a minimização das queimadas na Amazônia e a frase de que “índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”.

Mas não só. O fato de o presidente ter levado junto à comitiva brasileira a indígena Ysani Kalapalo também irritou Guajajara — e lideranças de outras etnias. “O governo mais uma vez reforça uma prática ditatorial quando quer impor quem é o representante [dos indígenas]”, criticou Guajajara, destacando que Ysani não foi reconhecida por seus parentes do Xingu como uma representante da etnia.

Guajajara destaca que o presidente também é autoritário na sua forma de enxergar as comunidades indígenas: “Quando ele diz que a gente é pobre, está olhando somente pelo lado dos bens materiais e das formas de consumo. Ele não olha nossa forma de viver. O que ele precisa fazer é respeitar os modos de vida e dar condições para que nossas iniciativas possam crescer e possam gerar rendas para as comunidades. Sempre pensando no uso sustentável dos territórios e dos recursos naturais”.

Nesta entrevista, concedida à Repórter Brasil por telefone, Guajajara reage aos ataques do presidente e faz um alerta: “Bolsonaro representa a maior ameaça ao planeta”. 

O que a senhora achou do discurso do presidente Jair Bolsonaro e como vê a afirmação de que ONGs “manipulam índios como homens da caverna”?

Foi aterrorizante. O discurso só reforça a visão colonialista dele, do tempo da ditadura, do assimilacionismo, de que todo mundo tem que ser igual. É uma afirmação ditatorial, que desrespeita a diversidade de povos que existe no Brasil. Ele fala isso como se a gente fosse incapaz de responder por nós mesmos, como se fôssemos manipulados por outras pessoas. É ele quem fica nos tratando como animais.

E o comentário de que “índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas”?

Ele quer ter argumentos para legalizar esse entreguismo dos territórios indígenas, para vender a Amazônia, para não demarcar terras indígenas. Ele quer respaldar uma ideia de que não precisamos das terras para, assim, facilitar a legalização do arrendamento, da mineração e da autorização para explorar esses territórios.

A senhora poderia comentar a referência que o presidente fez a uma carta de apoio de um grupo de agricultores indígenas?

Ele pode ter essa carta mesmo. Ninguém está negando que ele tenha apoiadores. Afinal, somos indígenas, somos seres humanos e são muitos pontos de vista diferentes. Mas o que legitima uma determinada posição é a coletividade. Vi muitos povos hoje questionando essa lista [lista de representantes de 52 aldeias que teriam assinado a carta de apoio]. O governo está se articulando para cooptar indígenas em vários estados que são a favor da agricultura. Mas temos que diferenciar o movimento indígena organizado, que traz o debate da coletividade, do que foi apresentado hoje: pessoas avulsas, desconectadas das suas bases e das pautas atuais. Precisamos contrapor uma suposta lista com 50 nomes a um movimento que reuniu 5 mil indígenas no Acampamento Terra Livre ou 3 mil na Marcha das Mulheres Indígenas [eventos ocorridos em Brasília em abril deste ano] e que têm uma posição de enfrentamento ao governo.

‘Nós temos nossas formas próprias, legítimas, autônomas para escolher nossos representantes’

‘Quando ele diz que a gente é pobre, está olhando somente pelo lado dos bens materiais e das formas de consumo’, diz Guajajara (Foto: Divulgação)

Como a senhora vê a presença da Ysani Kalapalo ao lado do presidente, na ONU?

Deixe um comentário

×