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Bolsonaro distorce fiscalização na carnaúba, setor campeão de trabalho escravo no Ceará

O trabalho escravo na cadeia produtiva da carnaúba repercutiu na Europa. Segundo o MPT, uma multinacional alemã chegou a procurá-los cogitando suspender a compra por conta das violações trabalhistas, mas mudou de ideia quando soube do trabalho dos órgãos fiscalizadores.

Corte na garganta

Outro empregador do Ceará que também foi flagrado explorando mão de obra análoga à de escravos, em uma área de extração da carnaúba, chegou a ameaçar de morte auditores-fiscais do trabalho em maio  deste ano. Vale lembrar que a violência contra os fiscais já deixou vítimas. Três auditores fiscais e um motorista foram assassinados em Unaí, no Noroeste de Minas Gerais, durante uma fiscalização rotineira há 15 anos 

Após entrar na ‘lista suja’, Miguel Murilo de Castro foi até a sede do Ministério do Público do Trabalho, em Fortaleza, e disse que “cortaria a garganta” dos auditores fiscais. Também chamou os servidores de “vagabundos e bandidos” e afirmou que eles estavam inviabilizando a comercialização do pó de carnaúba que produzia. Ele foi indiciado pela Polícia Federal por crime de ameaça.

Para configurar trabalho escravo, há um conjunto de situações que afrontam a dignidade humana, como jornadas exaustivas, condições degradantes, servidão por dívida ou trabalho forçado (Foto: Grupo Especial de Fiscalização Móvel)

Castro é filiado ao PSL, partido do presidente Bolsonaro, e foi autuado por manter seis trabalhadores recebendo valores inferiores ao salário mínimo. Além disso, eles não tinham água potável, banheiro, alimentação decente e equipamentos de proteção individual – um problema do setor, que apresenta altos índices de acidentes e de trabalhadores que ficam cegos ao derrubarem as folhas da carnaúba.

Castro se diz vítima da fiscalização e conta que precisou vender a casa que morava para pagar as dívidas trabalhistas. “Está faltando esse povo (fiscais) andar no interior e ver o sofrimento da gente”, afirma. Ele nega ter ameaçado os fiscais e diz que mencionou a peixeira apenas para chamar a atenção.  

Distorção do crime para defender mudança nas regras 

No mesmo discurso em que debochou da ausência do banheiro em um carnaubal, o presidente Jair Bolsonaro também disse que a espessura de um colchão, o nível de ventilação de um cômodo e um “copo desbeiçado” podem tipificar o trabalho análogo à escravidão – uma distorção da definição legal desse crime usada como estratégia para defender alterações na legislação.

Ao contrário do que disse, o crime é definido por um conjunto de situações que afrontam à dignidade humana, como jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho, servidão por dívida ou trabalho forçado. Tudo isso está previsto no artigo 149 do Código Penal.

“O mais preocupante é a ausência de conhecimento do presidente da República sobre como a história do combate ao trabalho escravo se construiu no Brasil a várias mãos e com iniciativa de todos os poderes”, afirma o auditor fiscal do trabalho, Alexandre Lyra, que já chefiou a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae).

“O combate ao trabalho escravo é uma política de Estado, não de governo”, afirma o auditor fiscal do trabalho, Alexandre Lyra

“O combate ao trabalho escravo é uma política de Estado, não de governo”, afirma Lyra. O governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi quem primeiro reconheceu, diante das Nações Unidas, a persistência de condições análogas às de escravo e deu início ao sistema voltado ao seu combate.

Em fiscalização no Ceará, os trabalhadores não tinham refeitório ou local adequado para comerem confortavelmente (Foto: Grupo Especial de Fiscalização Móvel)

Não é a primeira vez que isso acontece. O ex-presidente Michel Temer, em 2017, afirmou “que se você não tiver a saboneteira no lugar certo significa trabalho escravo”. Ele, contudo, omitiu que a fiscalização autuou o empregador por outras 43 irregularidades, incluindo problemas graves como o não pagamento de salários, alojamentos superlotados e condições inadequadas de higiene, conforme revelou a Repórter Brasil

Temer falou da saboneteira poucos dias após o Ministério do Trabalho ter publicado portaria que limitava o conceito do crime à restrição de liberdade com uso de vigilância armada. Após críticas de diversos setores, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a portaria em decisão liminar (provisória) e o governo Temer voltou atrás.

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