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Após explosão das queimadas, cana-de-açúcar é nova ameaça à Amazônia e ao Pantanal

‘Efeitos desastrosos’ 

Esse risco de o desmatamento se infiltrar floresta adentro, segundo a UNICA, não existe. “Desmatou, está fora do Renovabio”, afirmou em nota o presidente da associação, Evandro Gussi, se referindo à nova política de biocombustíveis que entra em vigor em 2020 e se baseia no desmatamento zero. Ele acredita que, com ela, o próprio setor se autorregulará porque suas vendas estão calcadas na sustentabilidade.   

“Se o setor fosse tão capaz de se autorregular e respeitar a lei, nós não teríamos visto o desmatamento explodir este ano, com quase 10 mil quilômetros quadrados de desmatamento”, afirma Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de 37 entidades que discute as mudanças climáticas no contexto brasileiro.  

O mesmo alerta serve, segundo Rittl, para o Pantanal, onde a situação é igualmente “dramática” e os riscos da revogação também. Os focos de queimadas no Pantanal de 1º janeiro a 11 de setembro de 2019 subiram 334% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

“Os efeitos [de se derrubar o veto] serão desastrosos. E no Pantanal e na Bacia do Alto Rio Paraguai, devem ser imediatos por suas características físicas particulares”, afirma Alcides de Faria, diretor-executivo da Ecoa – Ecologia e Ação, ONG que atua na região. Ele explica que a parte alta da bacia drena para o Pantanal, uma grande planície com quase 200 mil km2. “A cana na parte alta aumentará o desmatamento e o transporte de sedimentos e venenos agrícolas para a planície. O plantio na planície, por sua vez, levará o deserto verde que é a cana para o coração do Pantanal”.

A criação de uma nova “fonte” de desmatamento, segundo os especialistas, complicaria ainda mais a já deficitária fiscalização em ambos os biomas – a derrubada da floresta nas áreas do ‘Dia do Fogo’, por exemplo, continua mesmo após a atenção que os incêndios atraíram dentro e fora do Brasil. Além disso, as queimadas usadas durante o cultivo da cana também trazem mais um risco que pode resultar em alastramento de incêndios.

O que está por trás da revogação?

A revogação do decreto, portanto, pode gerar graves impactos ambientais, segundo os especialistas. Pode também causar prejuízo na comercialização da cana e do açúcar brasileiro no mercado internacional, já que o cultivo na Amazônia afasta compradores internacionais. Além disso, o avanço para essas áreas também seria desnecessário, pois o país já conta com uma ampla área degradada agricultável, suficiente para expandir a produção. 

Segundo o Observatório do Clima, não há necessidade de um único hectare de terra amazônica ou pantaneira para cana-de-açúcar, já que a área necessária para dobrar a produção até 2030 (11 milhões de hectares adicionais) é menor do que a que estava prevista no zoneamento demarcado pelo decreto de 2009 (19 milhões). 

“O Brasil vem aumentando sua produção pela produtividade, pela intensificação e pelas novas tecnologias. Não precisa ampliar em milhões de hectares a área do plantio de uma cultura – o que vai trazer perdas tanto do ponto de vista da biodiversidade quanto em aspectos econômicos”, afirmou o ex-ministro Minc.

Se a medida acarreta prejuízos ambientais e econômicos, qual seria então a motivação para essa decisão do governo? E quem são os verdadeiros interessados?

Há dez anos uma investigação da Repórter Brasil feita na época em que o zoneamento foi promulgado mostrava o interesse do setor em implementar usinas na região do Pantanal e entorno, na Bacia do Alto Paraguai e na Amazônia.

As usinas já existentes na Amazônia e Pantanal, inclusive, carregam um pesado histórico de situações de trabalho análogo à escravidão, por variados motivos, entre eles a vastidão do território e as dificuldades de fiscalização. É o caso de usinas como a Gameleira (posteriormente Destilaria Araguaia), em Confresa (MT), e a Alcopan, de Poconé (MT), que se tornaram presenças habituais na chamada “lista suja” do trabalho escravo do governo federal. 

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