Após 3 anos de ameaças, líder sem-terra é assassinado no Pará
Márcio Rodrigues dos Reis sabia que corria risco de morte. Depois de se tornar um dos líderes dos sem-terra de Anapu (PA), onde a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada em 2005, ele denunciou os fazendeiros que incendiaram casas, ameaçaram e expulsaram os sem-terra de um acampamento numa área de 32 km² disputada na Justiça. Márcio também era a principal testemunha de defesa do padre Amaro – sucessor de Dorothy apontado por fazendeiros locais como articulador de ocupações de terras.
Na noite da última quarta-feira (4), Márcio foi assassinado com uma facada no pescoço, durante emboscada em uma estrada isolada da região. Ele era casado e tinha 4 filhas.

O líder sem-terra chegou a ser preso duas vezes acusado de invasão de propriedade (depois absolvido) e porte ilegal de arma. Logo que deixou a prisão pela segunda vez, em novembro de 2018, Márcio conversou com a Repórter Brasil e contou sobre as intimidações que vinha sofrendo. As ameaças não foram reveladas na época porque ele temia por sua vida.
“O delegado me prendeu. Estava junto com fazendeiros. Me algemaram, me chutaram, me deram uma coronhada na cara”, contou à época, lembrando que sua mulher teve bebê enquanto ele estava na cadeia.
O líder sem-terra disse ainda que, após ser solto, tinha de ir ao fórum local regularmente para provar que estava na cidade. Mas como recebia ameaças constantes, teve de sair de Anapu. Depois de passar alguns meses fora, Márcio voltou à cidade porque, como contou à reportagem, queria ficar perto da família. Sem conseguir uma terra para viver com a mulher e as filhas, ele passou a trabalhar como motoboy.
Na noite da última quarta, após receber uma ligação pedindo uma corrida para a cidade vizinha de Pacajá, foi assassinado no trajeto, em uma estrada de terra.
Procurada pela Repórter Brasil, a Polícia Civil do Pará informou que abriu um inquérito após o crime, sob responsabilidade da Delegacia de Pacajá, com apoio do Núcleo de Inteligência do estado. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), na nota divulgada, critica a polícia, dizendo que ela não é eficiente para investigar os crimes cometidos contra trabalhadores rurais sem-terra: “Os indícios apontam para mais uma execução a mando dos grileiros e madeireiros de Anapu.”
Márcio é o 15º trabalhador rural sem-terra assassinado na cidade desde que a violência voltou a explodir na região, em 2015. “Em Anapu existe uma milícia rural composta por pistoleiros, organizada por madeireiros e grileiros de terras públicas. Quem contraria seus interesses está sentenciado à morte”, afirma a CPT, em nota divulgada nesta sexta-feira (6).
Padre Amaro
Um dos episódios que exemplifica esse clima de disputa e violência da região aconteceu em março de 2017, quando Márcio e outros trabalhadores tentaram reconstruir o acampamento no lote 44, que havia sido destruído por um grupo armado.
Após o episódio, os fazendeiros se uniram e acusaram o padre Amaro de incentivar ocupações de terra, o que levou o sucessor de Dorothy a ficar preso por 90 dias. Intimado a depor, Marcio, segundo a CPT, “resistiu às pressões e negou qualquer tipo de participação do padre Amaro na suposta tentativa de ocupação da fazenda”.

Apesar de ter apenas 27 mil habitantes, Anapu tem extensão maior que a de países como Jamaica e Qatar. Nos últimos oito anos, a população cresceu 32%, ante 9,5% em todo o país, segundo o IBGE. O principal motivo do boom demográfico é a proximidade com a Usina de Belo Monte (a 30 km de distância), que atraiu para Anapu centenas de famílias sem trabalho, terra e perspectiva.
O fim das obras do megaempreendimento, em 2015, e o consequente aumento populacional, fez a violência explodir e elevou a tensão entre fazendeiros e trabalhadores sem terra.
Os confrontos rurais têm epicentro no lote 44, onde ficava o acampamento liderado por Márcio. A área é reivindicada pelo presidente do Sindicato Rural de Anapu, Silvério Fernandes, e seus familiares. A Justiça Federal em Altamira, porém, já decidiu que o local deve ser destinado à reforma agrária. A família Fernandes recorreu da decisão e o caso aguarda julgamento em segunda instância.