Antiga Dow Chemical é campeã em acionar Justiça para flexibilizar controle de agrotóxicos
Já o município de Santa Rosa, um dos maiores polos de produção de soja do Rio Grande do Sul, tentou em 1999 proibir qualquer utilização e comercialização dos herbicidas à base de 2,4-D. Novamente a empresa foi aos tribunais alegando falta de competência para legislar sobre o tema. O caso foi parar no STF, e em 2009, foi liberada a utilização da molécula. Dessa vez, a tramitação foi rápida: em pouco mais de seis meses, a empresa estava livre para vender seus pesticidas.
A soja é a principal cultura onde o 2,4-D é usado para controlar plantas daninhas e invasoras e para aumentar a eficiência de outros herbicidas. Porém, o produto se espalha e destrói culturas mais sensíveis, como uvas, azeitonas e maçãs. O 2,4-D é relacionado a problemas de alterações do sistema hormonal, má formação fetal e toxicidade neurológica.
Casos desse processo, chamado de “deriva”, são relatados desde 2015 e investigados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS). Em dezembro de 2019, após um estudo do Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas (Larp) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) , identificar a presença do herbicida 2,4-D em 87% das 79 amostras coletadas, o MP-RS pediu a suspensão do uso do químico no estado.
“Saltam aos olhos as ações com esse herbicida. E isso significa que produtores de pêra, maçã, uva e plantas de folhas largas, que são intolerantes ao produto, vêm tendo prejuízos bilionários no Rio Grande do Sul”, analisa o pesquisador e coordenador adjunto do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo. “As ações das empresas, quando vitoriosas, criam precedentes, em termos de jurisprudência favorável à elas, e isso desestimula ações protetivas. É bom para as empresas, e elas investem nisso”, avalia.
Procurada pela reportagem, a empresa Corteva Agriscience, antiga Dow Chemical, afirmou que respeita todas as leis e normas nos países onde atua, e que seus produtos são submetidos a rígidos testes toxicológicos, ecotoxicológicos e de eficácia. “A empresa se sente no dever de prover informações técnicas e científicas em discussões importantes para a agricultura do Brasil, sejam elas no ambiente jurídico, político ou regulatório”, declarou em nota. Além disso, informou que realiza treinamentos constantes para que seus produtos sejam aplicados da forma devida.
Litigância estratégica
Não é de hoje que o setor agroquímico tem utilizado da litigância estratégica para flexibilizar legislações estaduais e municipais. Segundo o levantamento, há casos registrados no STF pelo menos desde a década 90. As investidas representam uma forma de tornar lenta a implementação de políticas voltadas ao meio ambiente e à saúde humana que preveem a comercialização e aplicação de químicos.
Entre um recurso e outro, o levantamento apontou que os processos tramitam em média 3 anos, chegando ao máximo de 12 anos no Supremo. Os temas questionados pelo setor também são diversos: vão desde questões relacionadas à limitação ou proibição da aplicação de agrotóxicos na área agrícola, até a busca por liberação de licenças para produtos, entre outras.
O Sindicato Nacional da Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), são algumas das entidades de classe que impetraram ações que visam derrubar ou flexibilizar leis que proíbem ou restringem o uso de agrotóxicos nos estados e municípios.
A CNA, por exemplo, busca a inconstitucionalidade da Lei 16.820/19, mais conhecida como Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará. A norma foi sancionada em janeiro de 2019. Porém, 4 meses depois, a CNA protocolou Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF. A Lei permanece em vigor no Estado e a ação está em tramitação no Supremo. Enquanto isso, a pulverização segue proibida no estado.
Os ingredientes ativos que mais foram objeto de ações no Supremo são o Paraquate, o Benzoato de Emamectina, o Glifosato e o 2,4-D.
O Benzoato de Emamectina teve o pedido de registro negado pela Anvisa em 2007 devido ao alto grau de neurotoxidade. Na época, a agência entendeu que os efeitos neurotóxicos do produto eram tão marcantes e severos que as respostas de curto e longo prazos se confundem. “Incertezas no que diz respeito aos possíveis efeitos teratogênicos e as certezas dos efeitos deletérios demonstrados nos estudos com animais corroboram de forma decisiva para que não se exponha a população a este produto, seja nas lavouras ou pelo consumo dos alimentos”, concluiu a agência.