Antiga Dow Chemical é campeã em acionar Justiça para flexibilizar controle de agrotóxicos
Sétima empresa do setor com maior número de registros de produtos agrotóxicos no país – 97 ao todo – a Dow Agrosciences Industrial LTDA, subsidiária do grupo americano Corteva Agriscience, ex-Dow Chemical, recorre constantemente à Justiça para flexibilizar leis que procuram controlar o uso de pesticidas. É o que revela um levantamento feito pela Agência Pública e Repórter Brasil com base nos processos do Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre as 64 ações sobre o tema identificadas no STF desde os anos 1990, a Dow é responsável por 36, ou seja, 56%.
Conhecida como “litigância estratégica”, a tática utilizada pela Dow no Brasil é conhecida no mercado como uma maneira de alterar a jurisprudência e criar precedentes para beneficiar a indústria. O docente da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Direito, Nestor Santiago, explica que a estratégia, embora seja muito utilizada na área de direitos humanos – neste caso, o objetivo é avançar teses que beneficiam comunidades – hoje também é uma realidade em setores como o agronegócio e construção civil . “Por se tratar de uma estratégia de advocacy, e que utiliza-se inclusive de lobby perante o Legislativo e o Judiciário, a litigância estratégica tem que contar com uma estratégia de comunicação muito efetiva, a fim de angariar apoio e empatia da sociedade”, explica Santiago.
Mesmo nos casos em que novas leis são amparadas pelo que de melhor há na ciência, a tentativa de deslegitimar legislações que prejudicam o setor dos agroquímicos é recorrente, como comprova os dados desta reportagem.
O levantamento mostra que o setor jurídico da Dow é bastante atuante para combater qualquer legislação que tente limitar o uso de seus químicos, mesmo que o objetivo dos legisladores seja preservar a saúde da população. Embora seja a líder isolada nesse expediente, a Dow não está sozinha ao judicializar decisões do Executivo sobre pesticidas: entidades de classe, como Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) e Federação da Agricultura do Estado do Paraná, por exemplo, também foram até o Supremo para fazer valer seus interesses.
Pesquisadores ouvidos pela reportagem criticam o fato de que essa estratégia transfere discussões que deveriam estar na esfera pública para a esfera jurídica, onde acabam tendo menos transparência e visibilidade. “Nessas questões ambientais ligadas aos agrotóxicos, a litigância estratégica busca reduzir ou limitar os avanços de proteção ambiental e da saúde pública”, explica a professora do curso de direito da Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA), Talita Furtado. “Essas empresas atuam no sentido contrário, com o objetivo de provocar o judiciário para rever, deslegitimar e invalidar conquistas sociais, reduzindo assim o campo de debate, que deveria estar na sociedade, e passa para uma cúpula muito específica”, avalia a docente.
Levantamento
Para esta reportagem foi feito um recorte dos casos que questionam a constitucionalidade de novas leis.
Com ações iniciadas, principalmente, na região sul do país, a Dow vem conseguindo a flexibilização de leis que proíbem ou restringem o uso da molécula 2,4-D, o segundo ingrediente ativo mais vendida em 2018, conforme dados do Ibama. A Dow possui oito produtos a base dessa substância, sendo que 60% são classificados pela Anvisa como muito ou altamente perigosos ao meio ambiente.
Foi o que aconteceu em relação a três municípios no Paraná – Barbosa Ferraz, Itambé e Mamborê – e em Santa Rosa, no Rio Grande do Sul. Em todos os casos, as autoridades municipais haviam aprovado leis que proibiam ou restringiam o uso da molécula 2,4-D.
Foram 36 ações em que a Dow foi parte do processo entre os anos de 2006 e 2019. Em 19 processos (53%), o STF julgou que limitar o comércio ou aplicação de agrotóxicos seria constitucional, e em 17 (47%) decidiu pela inconstitucionalidade das normas.
Em Mamborê, na região de Campo Mourão, a Lei municipal 41/1997 buscava limitar o uso da substância no perímetro urbano. Mas a Dow agiu rápido, impetrando mais de 50 processos na justiça estadual que argumentavam não ser de competência municipal legislar sobre questões do meio ambiente. Depois de ganhar na primeira e segunda instâncias, em 2004, a empresa foi autorizada a utilizar, comercializar e distribuir o herbicida. Quatro anos depois, o Ministério Público do Paraná levou o caso para o STF e, em março de 2011, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a decisão estadual e liberou o comércio de vez, argumentando que não pode um município “restringir ou ampliar aquilo que foi estabelecido nas normas editadas pelos demais entes, sob pena de violação do próprio princípio federativo”.