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Cafeicultor com selo de qualidade Nucoffee, da Syngenta, é um dos 41 novos nomes da ‘lista suja’ do trabalho escravo

Os trabalhadores que colhiam café na fazenda de Joair Aparecido de Oliveira, em Conceição de Ipanema, no Vale do Rio Doce em Minas Gerais, bebiam e cozinhavam com água retirada de um brejo, pois não tinham acesso à água potável e dormiam em colchões no chão de uma casa velha com janelas e portas precárias. “Propícias à entrada de animais peçonhentos”, conforme destacaram os auditores-fiscais do trabalho, que autuaram Oliveira em 2018 por submeter três trabalhadores a condições análogas à escravidão.

Oliveira é um dos produtores de café com o selo de qualidade da Nucoffee, programa da Syngenta — uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo –, que conecta fazendeiros brasileiros com compradores estrangeiros, além de oferecer apoio para os produtores, segundo o site do programa que mostra as fazendas participantes. Oliveira também é um dos 41 novos integrantes da ‘lista suja’ do trabalho escravo divulgada hoje (3) pelo Ministério da Economia.

Os novos integrantes da ‘lista suja’ submeteram 1.074 trabalhadores à escravidão moderna e se somam aos outros 141 que já integravam o cadastro criado pelo governo em 2003. Na ‘lista suja’ divulgada hoje entraram donos de garimpos ilegais, carvoarias, barcos de pesca, empresas de construção civil (incluindo uma construtora que atuou nas obras do parque olímpico do Rio de Janeiro), empresa de ônibus e a cúpula da seita religiosa Comunidade Cristã Traduzindo o Verbo.  

Oito dos 41 empregadores que entraram na ‘lista suja’ são produtores de café, sendo que sete estão em Minas Gerais (Foto: Arquivo/Repórter Brasil)

FOs dirigentes da seita submeteram 565 fiéis a situação análoga à escravidão em diversos estabelecimentos comerciais de 17 cidades de São Paulo, Bahia e Minas Gerais. A operação realizada em fevereiro de 2018 representou o maior resgate de trabalhadores desde que 1.064 trabalhadores foram resgatados de uma fazenda de cana-de-açúcar no interior do Pará, em 2007. A reportagem não conseguiu contato com o advogado que representa os dirigentes da igreja nas ações trabalhistas.

Outro empregador que entrou no cadastro do governo foi Raimunda Oliveira Nunes, proprietária de um garimpo ilegal na Floresta Nacional do Amana, no município de Itaituba, oeste do Pará. Ela manteve 38 pessoas submetidas a trabalho análogo à escravidão, que se endividavam e terminavam por gastar tudo o que ganhavam na extração de ouro dentro do próprio garimpo. A autuação, feita pelos auditores-fiscais em 2018, foi acompanhada pela Repórter Brasil. À época, Raimunda reconheceu que retinha o pagamento dos garimpeiros, mas disse que foi injustiçada, já “que mata um boi por semana para eles”. “O bandido que tá na rua ninguém pega. A gente, que tá aqui trabalhando, merecia mais consideração”, argumentou. “Estão me tratando que nem bandido.”

A maior parte dos integrantes da ‘lista suja’, contudo, é de fazendeiros, que criam bois, cultivam milho, cacau ou café. Oito dos 41 empregadores que entraram na ‘lista suja’ são produtores de café, sendo que sete estão em Minas Gerais. A ligação de produtores de café escravagistas com gigantes multinacionais não é novidade. Além de Oliveira, que tem o selo de qualidade Nucoffee da Syngenta, a Repórter Brasil já revelou que Nespresso e Starbucks certificaram e compraram café de um produtor que entrou em uma versão anterior da lista.

Os auditores-fiscais relataram que os trabalhadores da fazenda Córrego Alto Cobrador, de Oliveira, recebiam R$ 14 por balaio de café colhido e que, além de não terem água potável e dormirem em uma casa sem proteção, eles não tinham registro na carteira de trabalho e nem equipamentos de proteção individual para a colheita do café. 

Em 2018, 38 pessoas foram resgatadas de um garimpo ilegal no oeste do Pará (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

Mesmo com essas condições de trabalho, a fazenda de Oliveira está entre as escolhidas pela Nucoffee e integra o circuito chamado de Matas de Minas da multinacional. Além de comprar café, outra ação do Nucoffee é promover roteiros de viagens de torrefadores dos Estados Unidos para as fazendas em um projeto chamado de Trip to origens (Viagem às origens). “São uma grande oportunidade para que os torrefadores estrangeiros possam descobrir toda a qualidade da produção nacional e conhecer histórias, jamais imaginadas, por trás de cada grão”, descreve o site da Nucoffee. A reportagem teve acesso ao histórico de vendas de café pelo programa e, de acordo com os registros, Oliveira comercializou pelo menos 25 sacas da safra 2016/2017 pelo Nucoffee. 

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