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Reforma tributária: é hora de quebrar paradigmas

Já ocupei este espaço mais de uma vez para falar sobre a reforma tributária. Se volto a fazê-lo, não é por falta de pautas que ensejem um olhar crítico, mas pela importância absoluta do tema. A reforma se impõe como a agenda mais relevante do Congresso. Estamos diante da oportunidade de fazer não apenas um pequeno ajuste, mas uma quebra de paradigmas. É preciso que os parlamentares tenham a exata noção de que a nossa base de arrecadação está exaurida. Seus três pilares mal se aguentam em pé.

O Imposto de Renda sobre a Pessoa Física, por exemplo, encontra-se tão sobrecarregado que o governo se vê obrigado a cobrar de quem ganha apenas R$ 1.900 por mês. No caso das pessoas jurídicas, a alíquota chega a 45%, o que liquida a competitividade de nossas empresas.

Os impostos sobre consumo – o segundo pilar – caminham celeremente para a obsolescência. Eles miram um universo que não existe mais. ICMS, PIS e Cofins são impostos adequados para uma economia linear, não para um mundo em mutação em que a economia é movida por impulsos eletrônicos. Substituí-los por um imposto sobre valor agregado, como está contemplado na proposta do governo, não ataca a base do problema.

Tributaristas que elogiam o IVA têm uma percepção anacrônica da economia. Esse tipo de imposto já foi bom. Em meados dos anos 60, quando introduzido pela dupla brilhante que modernizou as instituições brasileiras – Roberto Campos e Octávio de Gouvêa Bulhões –, o imposto sobre o consumo era justo e eficiente. O problema é que, nesse meio século, o mundo mudou radicalmente.

Em tempos remotos, taxar o deslocamento físico de uma mercadoria fazia sentido, até porque era fácil rastrear o produto. Hoje não mais. Em algumas cadeias produtivas – como nos casos mais notórios de livros e discos – a mercadoria já se desmaterializou. Sem existência física, sem transporte físico, não há como rastreá-la.

O terceiro pilar tributário são os impostos sobre o patrimônio, como o IPTU e o imposto sobre heranças. Mas esse é um pilar atrofiado pela própria natureza. Qualquer aumento de alíquota provocaria um êxodo de capital, como aliás aconteceu na França do presidente socialista François Hollande, que governou entre 2012 e 2017.

Os três pilares – impostos sobre renda, consumo e patrimônio – estão estressados ao limite. Não aguentam nenhum aumento de alíquota. Ao contrário, qualquer iniciativa nesse sentido teria o efeito contrário, pois tenderia a provocar mais sonegação, que hoje já está na casa dos R$ 400 bilhões por ano.

Se o governo quer aumentar a arrecadação sem sobrecarregar ainda mais a sociedade, a única saída plausível é um imposto sobre pagamentos. As vantagens são incomparáveis. Para começar, por não ser declaratório, ele dispensaria grande parte da pesada e cara máquina da Receita Federal. Em segundo lugar, por ter base universal, poderia ter uma alíquota baixíssima. A base de arrecadação de um IVA gira em torno de R$ 2 trilhões, enquanto a de um imposto sobre transferências de valores é de R$ 1,4 quatrilhão.

A conclusão é que, se todos pagam, todos pagam menos – muito menos. O imposto sobre transações financeiras, em substituição aos impostos mais ineficientes e injustos, teria o condão de incorporar de imediato ao sistema tributário toda a economia informal, que não é pequena – acredita-se que seja equivalente a 40% do PIB.

O grau de crueldade do sistema tributário brasileiro não tem paralelo. O número oficial – que indica que nossa carga fiscal corresponde a pouco mais de um terço do PIB – está claramente distorcido. Na verdade, se fossem considerados apenas aqueles que pagam impostos, a porcentagem poderia ser quase o dobro – maior até que a dos países escandinavos, onde o retorno para sociedade, em termos de qualidade dos serviços públicos, é excelente, ao contrário do que ocorre aqui.

O Brasil está pronto para dar esse passo fundamental para crescer substancialmente e de maneira sustentável. Nossos bancos estão entre os mais modernos do mundo em tecnologia, totalmente aparelhados para fazer o recolhimento. Uma chance como essa não ocorre a todo momento. Temos um novo governo com disposição para fazer grandes mudanças, sem medo de ousar, sem compromisso com um passado atravancado por ideologias perniciosas. O país vive um novo tempo, com um Congresso renovado. Está mais do que na hora de pensarmos e agirmos de maneira disruptiva. Por que trocar seis por meia dúzia com uma reforma tímida e desfocada se podemos fazer uma verdadeira revolução tributária? É a pergunta que gostaria de deixar aos parlamentares que se debruçam sobre as propostas que têm chegado ao Congresso

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