O que vai acontecer quando a venda de dados chegar no setor de saúde?
Desde o escândalo da Cambridge Analytica, protagonizado pelo Facebook em março do ano passado, o mundo começou a ficar mais atento para as formas como as grandes empresas utilizam seus dados. E essa mudança já é sentida dentro da política.
Nos Estados Unidos, existem projetos de lei com o It’s Your Data Act e o Own Your Own Data Act, ambos em inglês, que querem dar aos usuários tanto mais conhecimento sobre como suas informações são processadas como também o direito de cobrar e receber pelo compartilhamento destes dados.
Apesar do claro avanço que estas questões ganharam nos últimos meses, existe uma questão que ainda não foi discutida com a profundidade e importância necessária: se essas leis de compartilhamento de dados serão aplicadas no ramo da saúde.
Acontece que diferente de outros tipos de informações, seu histórico médico está intrinsecamente ligado a quem você é, e as consequências de vê-lo sendo compartilhado de forma indevida (ou para uma fonte desconhecida) podem ser, no mínimo, graves.
Influência policial
O FamilyTreeDNA, site que traça sua árvore genalógica após análise de genoma, estava trabalhando em conjunto com o FBI para, a partir das amostras enviadas, encontrar suspeitos. O que seria uma ótima ideia se os clientes fossem comunicados dessa possibilidade, o que não aconteceu.
O GEDmatch, site open-source que permite o uso da sua base de dados para estudos de saúde, parou de atualizar sua base de dados com frequência após descobrir que o FBI também a utilizava para procurar suspeitos. Por mais válidos que sejam os motivos da organização, esse tipo de atitude levanta a questão sobre a importância do interesse público sobre a vida privada.
Sem falar que, como esses sites são capazes de rastrear outras gerações, é possível que uma pessoa seja chamada para depor pois seu DNA bate com um criminoso que na verdade é um primo de terceiro grau que não é visto há anos, causando problemas desnecessários.
Boa parte dos sites que fazem análise de genoma (como o 23andMe) mudam seus termos de privacidade sem avisar usuários, o que dá a brecha para que eles consigam conduzir seus negócios sem a interferência do público. Prática que, se já não seria abusiva em qualquer outro negócio, se torna ainda mais preocupante quando se fala em DNA.
O caso Suprema
Um exemplo para ilustrar como os seus dados biológicos e biométricos são muito mais valiosos (e delicados) do que informações como comportamento é a história do vazamento da Suprema.
A empresa, com foco na segurança de prédios e estabelecimentos industriais, guardava em uma pasta não criptografada informações como digitais, córneas e impressões faciais de usuários que frequentavam os prédios que ela monitorava.
Com os dados vazados, os hackers podem usar os dados de digitais (que estão vinculados a informações como nome e registros oficiais) para cometer fraudes. E como é possível se proteger quando é a sua digital é hackeada? Não é. Por isso, acompanhar a definição de uso de dados da saúde se faz importante.
Tecnologia e ética
Um ponto levantando pelas entidades que advogam por um uso responsável dos dados de saúde é a importância de se entender como esses dados são recolhidos para entender se há uma amostragem representativa o suficiente da população para que um paciente de 60 anos não receba um tratamento feito apenas com estudos realizados em pessoas jovens.
E, por último, mas não menos importante, é preciso que o governo crie regulações para que as empresas de coletas de dados não construam suas bases de dados a partir de materiais entregues por pessoas em condição de vulnerabilidade. E que, por precisarem com urgência de dinheiro, não recebam a remuneração correta e acabem entregando informações que, uma vez doadas, podem nunca mais ser resgatadas.
Esses é um mercado com grande potencial de faturamento e não são poucas as empresas que estão investindo em iniciativas para estar na vanguarda do oferecimento de soluções mais sofisticadas.
O cuidado precisa ser para que, no meio desse momento de definição, não sejam tomadas decisões que acabem prejudicando de forma irreversível um número significativo de pessoas.
*Com informações da Fast Company