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Supermercados adotam políticas de compra mais rígidas, mas pecuaristas ainda “driblam” restrições

Para combater o desmatamento na cadeia produtiva da carne, grandes empresas dispõem hoje de sofisticados sistemas de monitoramento, que usam até mesmo imagens de satélite para vigiar as fazendas fornecedoras. Mesmo assim, pecuaristas ainda encontram maneiras “rudimentares” para escapar dos filtros tecnológicos – e, dessa forma, seguir escoando animais de origem duvidosa.

É o que mostra uma investigação inédita publicada pela Repórter Brasil. Ela conecta o desmatamento ilegal a frigoríficos que abastecem grandes redes varejistas, como Pão de Açúcar (grupo GPA), Carrefour e Big (ex-Walmart).

Novo relatório da Repórter Brasil, “Filé nos supermercados, floresta no chão”, detalha a série de problemas na cadeia produtiva da carne — da fazenda aos supermercados. (Foto: Creative Commons/A C Moraes)

Entre os casos, há inclusive
situações que deveriam ter sido detectadas por novas políticas de compra supostamente
mais rígidas, adotadas no ano passado.

Um exemplo remete ao frigorífico
amazônico Mercúrio Alimentos, fornecedor do grupo GPA. Entre julho e outubro de
2020, ele adquiriu ao menos 370 cabeças de gado registradas em documentos
oficiais como sendo oriundas da Fazenda 4 Irmãos, em Pacajá (PA). Mas um
detalhe chama a atenção: a fazenda possui 100 hectares, dos quais uma boa parte
– aproximadamente 30% – ainda está coberta por mata nativa. Isso significa que
a quantidade de animais vendidos parece ser incompatível com a área disponível
para o pastoreio do gado.

A situação ocorre apesar de os
principais frigoríficos e supermercados brasileiros terem se comprometido a adotar
um novo “índice de produtividade” criado pelo Ministério Público Federal (MPF)
e pela ONG Imaflora. Segundo a regra, os frigoríficos devem bloquear as compras
de propriedades que encaminhem para o abate mais do que três cabeças de gado
por hectare ao ano. O objetivo é inibir fraudes relacionadas à chamada “lavagem
de gado” – quando pecuaristas utilizam uma fazenda “limpa” como fachada para
realizar a venda de animais que, na verdade, são oriundos de fazendas com
irregularidades.

Mesmo com a nova regra em vigor
desde julho de 2020, as vendas de gado da Fazenda 4 Irmãos seguiram superiores a
esse limite. Seu proprietário é dono de uma outra área de pastagem em Pacajá,
onde incidem autuações por desmatamento e queimadas ilegais que geraram multas
de R$ 8,8 milhões.

Sobre o caso, o Mercúrio
Alimentos afirmou que a Fazenda 4 Irmãos foi “bloqueada” tão logo a superação
do índice foi detectada. Em nota, a empresa afirmou que a demora se deveu à
necessidade de analisar individualmente milhares de fornecedores para implementar
a nova regra, e que “atualmente o sistema de cálculo do índice de produtividade
já foi automatizado”. O grupo GPA, por sua vez, não comentou o caso específico,
mas afirmou que todos os atuais fornecedores de carne “só são autorizados a
abastecer as unidades de negócios se estiverem aplicando integralmente o
protocolo” desenvolvido pelo MPF e pelo Imaflora.

Fazendas “divididas”

Outro critério do protocolo,
igualmente adotado pelos maiores frigoríficos e supermercados, é o bloqueio das
compras oriundas de fazendas com áreas embargadas pelo Ibama. Na Amazônia, a
maior parte dos embargos está relacionada ao desmate ilegal.

Mas um “truque” fundiário permite
contornar essa regra. Donos de grandes áreas contíguas, muitos fazendeiros
declaram suas propriedades de forma fragmentada no Cadastro Ambiental Rural
(CAR) – registro público utilizado por frigoríficos para monitorar a legalidade
ambiental dos fornecedores. Dessa forma, ao invés de uma única fazenda, a terra
é convertida – ao menos no papel – em diversas fazendas menores, que fazem
fronteira entre si.

Caso exista um embargo ou um
registro de desmatamento ilegal em alguma delas, basta utilizar a área vizinha
para fazer a negociação do gado com os frigoríficos.

A prática, é importante frisar,
contraria a regulamentação do CAR, que determina ser necessário declarar as
áreas contíguas – ou seja, que fazem limite uma com a outra – de um mesmo
proprietário em apenas um cadastro.

A investigação da Repórter Brasil identificou situações do gênero entre fornecedores de três grandes frigoríficos brasileiros: JBS, Minerva e Masterboi. Elas abastecem os três grandes grupos varejistas já citados – GPA, Carrefour e Big.

Procurada, a JBS afirmou que “as
propriedades mencionadas, que comercializaram animais diretamente com a JBS,
estão em conformidade com a Política de Compra Responsável da empresa e com o
Protocolo de Monitoramento de Fornecedores do MPF.” Minerva e Masterboi também
declaram que as áreas embargadas estavam fora de propriedades diretamente
fornecedoras.

O Carrefour informou que as
fazendas em sua rede de fornecimento “devem respeitar a legislação ambiental e
atender às exigências estabelecidas pela política da empresa e, quando
inconformidades são identificadas, o fornecedor é bloqueado até adotar medidas
corretivas.” Sem mencionar casos específicos, o grupo informou que, em 2020,
alguns frigoríficos fornecedores foram notificados quanto a irregularidades e
suspensos provisoriamente.

Já a assessoria de imprensa do grupo Big enviou nota à Repórter Brasil onde afirma que o grupo “possui um Sistema de Monitoramento e Gestão de Risco da Carne Bovina que garante que os produtos adquiridos e comercializados pela empresa não tenham envolvimento com trabalho escravo, desmatamento da Amazônia, ou que tenham origem em áreas embargadas, terras indígenas e unidades de conservação”.

A relatório “Filé nos supermercados, floresta no chão”, com todos os detalhes sobre os casos investigados pela Repórter Brasil, está disponível neste link. Já as respostas das empresas elencadas na investigação estão disponíveis aqui.

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Infoeconomico

Fonte: Reporter Brasil

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