Política

Diferença entre modelos macroeconômicos na crise da Covid-19 chega a 60%, diz Paulo Leme

Mãos segurando globo terrestre

SÃO PAULO — Veterano do mercado, com 40 anos de experiência, Paulo Leme afirmou que a diferença de até 60% nos modelos macroeconômicos para este ano é reflexo de uma crise inédita e com elementos imprevisíveis. O economista e presidente do Comitê Global de Alocação da XP Investimentos participou hoje (14) de um painel na Expert 2020.

“Essa é uma crise como eu nunca tinha visto. As outras sempre tinham algo fácil de identificar, como o choque nos preços do petróleo, um fenômeno cíclico, uma crise bancária. Uma vez que você consegue modelar, é risco, não é incerteza. Dessa vez é muito peculiar. Pensa em um carro em que você abre o capô e vê o motor. O motor dessa vez não é econômico ou financeiro, é um fenômeno epidemiológico”, disse.

“Então, o que vai determinar se esse carro vai andar ou não é o processo de contágio. E ele é extremamente complexo porque pela primeira vez eu vejo um modelo que tem um grau de erro pior do que o dos economistas. Depende de quais dados você coloca nesse modelo, como você modela o comportamento dos indivíduos, da saúde pública” completou.

Segundo o economista, os dados da saúde pública sobre como a Covid-19 vai continuar se espalhando pelo mundo, que são bastante dispersos, acabam sendo refletidos também nos modelos macroeconômicos que eles são inseridos, elevando o grau de incerteza.

“Isso te dá uma dispersão de erro. Por exemplo, a projeção de mortes por Covid-19 nos EUA é de 100 mil a 2 milhões neste ano. É um fator quase que de 20. Você não se surpreenderá, então, que essa mesma incerteza se transmita e esteja inserida nos modelos macroeconômicos tanto usados em Wall Street quanto pelo FMI”, afirmou.

“Sempre nas projeções havia uma leve diferença de 0,1 ponto percentual ou 0,2 ponto percentual mas, em geral, havia um consenso que tendia a convergir. A dispersão hoje, devido à incerteza, depende do que você coloca no seu motor. Se for um motor de Ferrari ou de Volkswagen você vai andar ou não vai andar, ou sobe ou não sobe a serra. A diferença [entre as projeções dos modelos macroeconômicos] chega a 60%.”

Leme citou que alguns bancos de investimento têm previsão de contração do PIB global de 3,5-3,8% neste ano, enquanto o FMI prevê uma queda em torno de 5% ou mais. “Nem Wall Street está certa, nem o FMI. E nenhum dos dois está errado. Só mostram a dispersão. É um fenômeno muito difícil de modelar.”

O economista frisou que, assim como em qualquer crise, o mercado tende a extrapolar os modelos macro para pensar no pior cenário possível — o que pudemos ver em março, quando as bolsas globais despencaram. O que os modelos não contavam, porém, era com a enxurrada de dinheiro vinda dos bancos centrais e com o lockdown mais ameno, com alguns serviços funcionando mesmo na nova realidade.

“Os bancos centrais praticamente viraram mercado. Hoje, quem dita preços são eles. Eles têm um arsenal em torno de US$ 8 trilhões e você tem ainda do lado cerca de US$ 3,25 trilhões de caixa em depósitos bancários e money market que poderiam entrar no mercado. São US$ 11,25 trilhões de liquidez”, disse.

Foi essa liquidez que guiou uma recuperação dos mercados nos últimos dois meses. Ele citou o resultado do JP Morgan no segundo trimestre, divulgado hoje, com recorde em investment banking. “Com as atuações dos bancos centrais você devolveu ao mercado sua capacidade de precificar os ativos. E, em segundo lugar, essa liquidez começou a ter que fugir de quase 20% do PIB mundial em taxas de juros negativas.”

“Você não quer ficar com dinheiro rendendo taxa negativa na Suíça ou na Alemanha, aí vai para onde? Treasuries. Mas aí os yields caem, aí vai para onde? Empresas investment grade. Mas aí o yield também caí. O dinheiro vai passando de um mercado para outro. Visualize um tsunami de US$ 8 trilhões entrando em todas as classes de ativos e encarecendo tudo”, disse.

Leme acredita que essa liquidez trazida pelos bancos centrais vai continuar guiando os preços dos mercados nos próximos meses, ainda que com forte volatilidade, como já temos visto. Para ele, o cenário central é com recuperação lenta, às vezes com notícias boas, às vezes com notícias ruins. Quando houver necessidade, vai entrar o banco central dos países.

“A reabertura e o alto grau de liquidez vai continuar sustentando os mercados, mas com uma volatilidade altíssima. Por isso recomendamos uma carteira equilibrada de 60% na renda fixa e 40% na renda variável, pensando em alocação global, não Brasil. (…) A estrada está cheia de buracos e tem curvas perigosas, então colocamos amortecedores, com instrumentos defensivos, como ouro, puts e calls.”

O ideal, contou o economista, é ter uma carteira que você consiga ter um horizonte de cinco, dez ou quinze anos.
“Se você tentar adivinhar os pontos de picos máximos e mínimos, a chance de fracasso é enorme e de acerto de 1%. E quem está nesse 1% foi por sorte.”

Leme afirmou que quem tem dinheiro reservado e ainda não investiu, precisa “entrar na canoa”. “Mas depois de saber seus objetivos e perfil de risco. Assim, você desenha uma carteira modelo e faz a escolha de instrumentos. Em geral, através de fundos é muito mais eficiente pela diversificação. É muito mais difícil diversificar comprando os ativos individualmente”, afirmou.

“Investimento é método, é disciplina e não é improvisação. Eu não quero transmitir a ideia de que eu acredito em passive management [gestão passiva] de maneira religiosa. Eu sou ‘passive manager, pero no mucho’. Você sempre terá momentos onde o alfa é criado pela experiência”, completou.

Segundo ele, o alfa não é nada mágico, não é que existe uma “aberração” no preço de um ativo. “O alfa é o retorno extraordinário que, ao não ser explicado pelas regressões, a realidade é que o gestor com experiência consegue identificar. Por exemplo, era impossível adivinhar que viria algo como o coronavírus em janeiro deste ano, mas para quem está no mercado há 40 anos, era claro que, com valuations em 100% histórico, era um acidente que iria acontecer em algum momento.”

Quem conseguiu ter esse feeling, pisou no freio, disse. “É o momento em que você diminui um pouco, sai dos 100% aplicados e deixa um pouquinho mais em caixa, faz um portfólio um pouco mais defensivo e, quando você vê uma situação de oportunidade, você usa aquela pólvora seca para entrar. Você tem que ter disciplina, método, tem que ter processo, mas o discernimento e experiência junto com o conhecimento são elementos fundamentais a uma teoria passiva de uma gestão eficiente.”

Oportunidades

Leme afirmou que o “tsunami de dinheiro” já entrou nos setores de tecnologia e consumo discricionário, por exemplo, que foram os ganhadores do lockdown. Mas, segundo ele, há empresas até mesmo do setor de turismo que têm caixa e capacidade para enfrentar a crise melhor do que o mercado esperava.

“Onde essa liquidez ainda está por chegar e onde você ainda tem preços baratos, eu diria que é nos mercados emergentes, tanto em renda fixa, títulos soberanos, como também em bolsa”, disse. “Dentro das classes de ativos americanas, high yield é onde ainda existe spread para ser comprimido.”

“Os bancos estão começando a divulgar seus balanços do segundo trimestre. Há uma carnificina em termos de inadimplência, mas menor do que se esperava. Parte é que não há um lockdown extremo de fechar tudo. A atividade está se recuperando”, disse. Para Leme, existem oportunidades na bolsa especialmente nos setores de petróleo e bancos.

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Fonte: Infomoney Blog Epolitica

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