Creative Commons Brasil

CC Summit 2019: nossa 1ª participação como novo capítulo brasileiro

Cumpre destacar que a situação relatada nos últimos dois parágrafos não é diferente do que foi diagnosticado pelo CETIC, em sua pesquisa TIC Cultura. De acordo com as pesquisas de 2016 e 2018, as instituições brasileiras de memória passam por dificuldades semelhantes.

Sendo assim, para a transformação digital acontecer, os palestrantes destacaram que as instituições colecionadoras precisam passar por uma série de etapas. E, muitas vezes, elas não conseguem cumpri-las.

A esse respeito, acredito também que as instituições culturais de memória terão mesmo dificuldade em cumprir etapas em um processo contínuo de amadurecimento. Vejo todas realizando, na verdade, várias ações ao mesmo tempo, pois essa é a dinâmica de trabalho que geralmente existe – particularmente, na América do Sul. Ou seja, em uma realidade institucional muitas vezes marcada por avanços que se dão com base em projetos financiados, com cronogramas apertados e equipes temporárias, as instituições precisam se virar como podem e no tempo que têm.

Do mesmo modo, o desafio para pensar uma transformação digital nas instituições GLAM deveria considerar o seguinte: que as instituições de memória podem até ganhar os financiamentos, mas precisam saber muito bem o que fazer com os recursos que recebem. Assim, correrão menos riscos de criar projetos ou plataformas que são pouco sustentáveis com o fim da iniciativa ou que podem ferir os direitos autorais associados às suas coleções.

 

Digitalização aberta de acervos: a estratégia de começar pequeno

Em outra sessão do Summit, também sobre OpenGLAM, foi destacado que pequenas instituições também podem criar grandes narrativas a partir de seu acervo – o que pode gerar um engajamento com comunidades locais muito grande.

Contudo, também foi ressaltado que a divulgação de tais iniciativas ainda é muito tímida. E que players que poderiam colaborar diretamente com isso, como a Wikimedia Foundation, acabam focando seus esforços de comunicação em projetos maiores. Para reverter tal situação, foi sugerido que as instituições menores precisam fazer mais pressão de fora para que a Fundação passe a dar mais atenção ao que realizam, colaborando para sua maior difusão.

 

O CC na América Latina: de estratégias com governos a políticas institucionais de acesso aberto

Uma última sessão que gostaria de destacar foi a dedicada à participação do Creative Commons nos governos locais da América Central (e em alguns países da América do Sul).

As palestrantes destacaram a importância da realização de workshops focados muito mais no aspecto filosófico do acesso aberto e do conhecimento livre do que em questões práticas do Creative Commons. Em tais workshops, também foi possível sugerir para que as pessoas lessem as licenças em outros momentos, para então voltar com dúvidas mais específicas. Tal abordagem, conforme as palestrantes, costumou funcionar melhor do que tentar explicar todas as questões do universo jurídico associado às licenças durante os encontros.

Outro ponto que também foi destacado foi o fato de que trabalhar com os governos da região pode ser uma “montanha russa”. Isso se dá pelo fato de que as organizações pró-conhecimento livre ficam sempre à mercê de um contexto com muitas camadas e muitas diferenças entre as licenças adotadas pelo sistema CC e pelos governos locais.

Entretanto, a representante do Panamá comentou que o país passou pela reforma do direito autoral e que hoje o Ministério do Comércio está trabalhando cada vez mais com exceções previstas na lei. A representante da Colômbia explicou que o Creative Commons local não possui uma grande relação com o escritório de direitos autorais do país. Além disso, o capítulo fica muito focado em discutir as licenças do próprio sistema Creative Commons. Desse modo, ficou claro ainda o enorme desafio que o CC ainda possui na região, não só do ponto de vista prático, mas também político e institucional.

Para terminar o dia, tive a oportunidade de assistir à comunicação de Paula Xavier e Paulo Guanaes sobre a política de ciência aberta adotada pela Fundação Oswaldo Cruz. Um dos pontos que posso destacar acerca da fala de ambos é que tal política é um interessante caso de sucesso de desenvolvimento institucional de diretrizes para compartilhamento de dados de pesquisa em saúde pública. Isso por si só é importante pois é algo que ainda é, de certa forma, inédito no Brasil.

Ainda temos poucas instituições que conseguem alcançar esse nível de consenso interno acerca do que liberar ou não para terceiros. Outro ponto de destaque é a preocupação da Fundação em delimitar até onde tal liberdade vai. Tal delimitação é algo que me marcou particularmente. O cuidado da Fundação em não liberar determinados dados de pesquisas que realiza diante de um cenário de profunda assimetria científica em relação a entidades, por exemplo, do hemisfério norte, pode significar um caminho alternativo para falarmos de dados abertos na América Latina. Talvez isso faça mais sentido para nossas instituições – e aí não só as da área de saúde – por ser mais viável em termos operacionais, financeiros e estratégicos.

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