Economia

Alta dos custos e acordo entre rivais: por que os analistas estão divididos com a Ambev apesar dos bons números

SÃO PAULO – A produtora de bebidas Ambev (ABEV3) entregou resultados sólidos no quarto trimestre de 2020, considerados bons pelos analistas mesmo em um período de dificuldade. Mesmo assim, o balanço da companhia levantou algumas questões importantes para a empresa e que devem pesar este ano.

A Ambev fechou o quarto trimestre com lucro de R$ 6,89 bilhões, valor 63,3% superior frente os R$ 4,21 bilhões registrados no mesmo trimestre de 2019. De acordo com a companhia, o resultado “foi impactado positivamente por R$ 4,3 bilhões de créditos tributários extemporâneos decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal de 2017 pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins”.

Enquanto isso, a receita líquida dela totalizou R$ 18,5 bilhões entre outubro e dezembro, 19,9% superior frente ao apresentado um ano antes. O lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) ajustado, por sua vez, subiu 29,1% e atingiu R$ 8,94 bilhões.

Para o Bradesco BBI, tanto o Ebitda quanto a receita ficaram em linha com as expectativas, ao passo que os volumes da companhia surpreenderam positivamente. Já os créditos fiscais por conta da decisão da Justiça acabaram “distorcendo” o balanço, que teve um lucro 80% acima do esperado pelo mercado.

Já a XP Investimentos destacou o volume de cerveja no Brasil, com alta de 12% na comparação anual, enquanto o volume de bebidas não alcoólicas (NAB) e na América do Sul, subiram 7% e 6%, respectivamente. Por outro lado, a empresa apresentou dados mais fracos na América Central e Caribe, com queda de 7%, e resultado estável no Canadá.

“O processo de reabertura de bares e restaurantes, que tem ocorrido em ritmos diferentes em cada país, somado à falta de clareza na velocidade do processo de vacinação contra a Covid-19 ajudam a explicar esse cenário heterogêneo. Além disso, inúmeras cidades decidiram cancelar as comemorações de Ano Novo e restrições de circulação ou de funcionamento de estabelecimentos comerciais continua até hoje”, explicam os analistas.

O Bradesco BBI, por sua vez, lembra também que a Ambev já apresentou seus dados de início de ano, com alta de 10% no consumo de cerveja, apesar de não haver Carnaval, que responde por entre 5% e 10% dos volumes de cerveja no ano. A estimativa do banco era de queda de 3,5% nos volumes no primeiro trimestre de 2021, devido à falta de festividades e ao fim do auxílio.

Os analistas apontam que a associação de fabricantes CervBrasil afirmou ao jornal Valor que a produção de cerveja no Brasil caiu 10% em janeiro na comparação anual. Assim, o banco estima que a Ambev tenha ganhado 13 pontos percentuais de participação no mercado.

Outro ponto que chamou atenção no balanço foram os custos, que segundo a XP aumentaram mais do que o previsto nas operações da América do Sul devido à desvalorização cambial juntamente com um mix mais fraco de embalagens, levando a um lucro bruto 9% mais fraco do que o esperado na região.

A Ambev anunciou ainda a expectativa de que o custo dos bens vendidos por hectolitro cresçam entre 20% e 23% em 2021, acima de sua estimativa de 16%. Em parte isso se deve ao fato de que a empresa incluiu em seu guidance (documento com planos e expectativas para o futuro) uma cobertura de risco cambial de R$ 5,29 por dólar, 2,5% acima de sua estimativa.

Outro fator apontado são as expectativas quanto à proporção de recipientes retornáveis, que têm custos menores, em relação aos descartáveis. O Bradesco diz esperar que a proporção de retornáveis volte ao patamar pré-covid no quarto trimestre de 2021, enquanto a guidance pode estar indicando uma recuperação mais lenta.

Acordo Coca e Heineken traz novos desafios

Ainda antes da Ambev divulgar o seu balanço, a Coca-Cola FEMSA anunciou que a Coca-Cola Company e a Heineken acertaram um acordo para reestruturarem sua rede de distribuição no Brasil. O acordo vai entrar em vigor em meados deste ano e tem validade até 2026, podendo ser prorrogado por mais cinco anos.

O acordo prevê que as companhias iniciarão uma “suave transição” das marcas Heineken e Amstel para a rede de distribuição do grupo holandês no Brasil. O sistema Coca-Cola continuará a oferecer Kaiser, Bavaria e Sol, e complementará este portfólio com a marca premium Eisenbahn e outras marcas internacionais.

Na avaliação do Bradesco BBI, a proposta é negativa para a Ambev, já que o engarrafamento das concorrentes se desenvolverá melhor no Brasil. O banco não alterou sua avaliação sobre a Ambev, mas afirma que, no melhor cenário que estima para a Coca, a Ambev teria uma queda na taxa de crescimento anual composta de 2 pontos percentuais, para 3%.

O Credit Suisse também enxerga maior dificuldade de competição para a Ambev no futuro, em especial no segmento de cervejas premium. Segundo os analistas, com a meta da Heineken de recuperar as margens consolidadas, a empresa deve continuar a se concentrar em transformar as operações no Brasil em um acréscimo de margem o grupo como um todo.

“Dessa forma, não esperamos que o novo acordo seja um catalisador para uma estratégia de preços irracional daqui para frente – o que consideramos positivo para o setor”, explicam. “Nosso entendimento é que a Heineken tem diminuído a prioridade de marcas econômicas ao longo do tempo, devido ao seu maior foco no desenvolvimento e crescimento de suas marcas premium e mainstream”, concluem.

O que esperar agora

Segundo a própria Ambev, seus maiores desafios de 2020 seguem este ano, incluindo o aumento de custos devido ao mix de embalagens e a lenta recuperação do canal on-trade, que são apenas parcialmente compensados ​​pelo bom desempenho operacional e comercial da empresa.

Diante disso, a XP destaca que, no curto prazo, a taxa de câmbio e os custos mais elevados da matéria-prima deverão manter as margens da companhia sob pressão, mas que a Ambev já indicou estar ciente desse cenário.

Do lado positivo, os analistas acreditam que a Ambev deve ser beneficiada por uma combinação de quatro fatores daqui para frente: um portfólio em expansão com mais marcas core-plus(intermediário entre as marcas populares e as marcas premium); uma participação de mercado potencialmente crescente; o desenvolvimento bem-sucedido de suas plataformas digitais; e mais clareza nas estratégias ESG.

“Também enxergamos com bons olhos o fato de que, conforme mencionado pela empresa, o ano parece ter começado bem em termos de receita, impulsionado por um crescimento do volume de cerveja acima de 10% até agora este ano no Brasil, mesmo sem as festividades habituais de Carnaval”, avalia a XP.

Diante disso, os analistas mantiveram a recomendação de compra para as ações, com um preço-alvo de R$ 17,15, destacando o bom desempenho que a companhia teve durante a crise de 2020.

Também com um viés mais otimista, o Credit manteve a avaliação outperform (expectativa de valorização acima da média do mercado) para a Ambev, com preço-alvo em 2021 em R$ 18.

Do outro lado, o Bradesco BBI  manteve a sua avaliação em underperform (desempenho abaixo da média do mercado) para a Ambev, cujo desempenho em um ano ficou 2 pontos percentuais abaixo da média do mercado, com investidores precificando a queda da renda dos consumidores e o impacto no consumo de bebidas. Além disso, a expansão da capacidade na indústria deve levar a maior concorrência. O preço-alvo fica em R$ 15,5 por ação.

Segundo dados compilados pela Refinitiv, cinco dos 12 analistas que cobrem as ações ABEV3 recomendam compra, enquanto outros três avaliam como neutro e quatro como venda. O preço-alvo médio das análises é de R$ 16,13. No último pregão, os papéis da companhia fecharam cotados a R$ 14,68.

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